sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Tudo termina bem, no fim

- Se posso fazer um breve relato sobre mim? O que deseja saber, especificamente?
- ....
- Tudo bem. Solteiro, 33 anos, moro com uma tia chamada Loretta. Sou jornalista e tento desesperadamente dar uma guinada na minha vida.
- ....
- Viu? Você acabou descobrindo uma característica minha. Sou sintético.

Aquela conversa meio lenta levava a crer que não chegaria a lugar algum. Cláudio até achou um pouco mais de paciência para continuar, mas, em determinada altura do papo mole, o sono chegou e ele pensou em dizer boa noite.

Enquanto teclava, tentava descobrir qual a razão de, aos 33 anos de idade, perder seu tempo na mesma sala de bate-papo virtual. Talvez fosse justamente para sentir sono. Por falar em sono, precisava dormir. O dia tinha sido longo demais, cheio de surpresas e contratempos. Aliás, se a mulher do outro lado da tela tivesse pedido para discorrer sobre o dia, usaria muito mais palavras do que as poucas usadas para se descrever.

Em resumo, tudo começou quando chegou na redação do Jornal e descobriu que a vaga fixa para integrar a equipe, que estava aberta há dois meses, havia sido preenchida por um fulano que ninguém sabia ao certo quem era. Depois de três anos como “freela”, ou como ele mesmo se denominava: Freelancer = jornalista-independente-mal-pago, tinha certeza que ficaria com o posto. Passou o dia tentando descobrir o porquê, mas nada vinha a sua mente, ainda.

No restaurante, na hora do almoço, reencontrou uma ex-namorada. A mulher mais bonita com quem já teve alguma coisa mais séria. E, só para variar, ela estava deslumbrante. Assim que o viu, se aproximou, pediu para se sentar e, por uma razão desconhecida, desmanchou-se em charme.

No fundo, nunca soube o motivo de uma mulher tão bonita lhe dar tanto mole. Não fazia o tipo galã, ainda que não fosse, como já diria sua tia, “fraco de feição”. Adjetivo que ela empregava para uma pessoa desprovida de beleza física. Para completar, ganhava pouco e não tinha muitas perspectivas. Tudo bem que acreditava ser um cara interessante, papo agradável, salvo se o assunto fosse artigo de jornal, aí ele ficava muito chato. Aliás, foi por causa de uma matéria que eles terminaram o relacionamento.

Mais para o final da tarde, alguém ligou no seu celular. Com voz rouca, um homem o ameaçou de morte, caso insistisse em voltar a fazer matérias sobre o lote de mercadorias contrabandeadas, apreendidas pela Receita Federal, na semana anterior. Não era a primeira que vez o ameaçavam por telefone. Por isso, outra vez considerou o fato como “ossos do ofício”. Avisaria a polícia, como de praxe, mas, de antemão, já sabia que nada de mais concreto poderia ser feito

À noite, antes de chegar em casa, recebeu um outro telefonema. Era da redação do Jornal. Sem maiores explicações, disseram que, a partir do próximo mês, caso se interessasse, poderia ocupar uma outra vaga aberta, a do “garoto das amenidades”. Apelido dado ao jornalista responsável em cobrir a vida cultural dos bairros charmosos da cidade. Eventos como a feira de artesanato das Senhoras de Caridade, associação mantenedora do “Lar das Velhinhas”, e outras atrações do gênero. Lembrou-se da educação que sua tia tanto se esmerou para lhe oferecer e não respondeu, desligando o celular.

Por falar nela, ao cruzar a sala em direção ao seu quarto, encontrou a simpática senhora ouvindo uma radionovela. Programa muito comum nos chamados tempos do onça, desenterrado por uma emissora para ouvintes saudosistas. Ou, como já diria a mesma, “um achado”.

Cumprimentou a tia, dando-lhe um beijo na testa no exato momento em que o locutor narrava que a mocinha ouvia pelo rádio uma música, enquanto esperava seu amado chegar: “No rádio, eu escuto uma canção. Alguém está dizendo I love you, baby...”. Até pensou em ficar mais um pouco ao lado dela, mas considerou que acompanhar um capítulo de uma radionovela, ao som de Adriana, seria mesmo fim de carreira. Assim, subiu para o quarto, tomou um banho, ligou o computador e, meia hora depois, já estava teclando com a tal moça de conversa lenta.

Decidido a dormir, desejou-lhe boa noite, quando ela finalmente se revelou:

- Sou eu, Sr. Cláudio Moretto Villa Nova, sua ex.
- Lúcia? E depois de alguns instantes, passada a surpresa, teclou: - Que coincidência nos encontramos pela segunda vez, num mesmo dia!
- Coincidência nada! Bom, no restaurante até que foi, mas aqui? Nunca troca de nick, nem muda de sala! Até imaginei que pudesse ser outra pessoa, mas com a sua descrição, o que era dúvida virou certeza. Aí, resolvi jogar conversa fora.
- Pois é! Que outro jornalista, aos 33 anos de idade, mora com a tia? Só eu, baby.

O bate-papo virtual terminou com um convite absolutamente inesperado. Lúcia convidou o ex para um mini-cruzeiro, com direito a baile à fantasia. Pelo que havia entendido, a ex-namorada foi sorteada numa promoção, batizada de Sete Mares, com a possibilidade de levar um acompanhante. E aquele dia catastrófico para Cláudio Vila Nova acabou terminando bem, pelo menos aparentemente.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Um Estranho E Um Infiltrado

Lukas atravessou correndo a rua, sem nem mesmo verificar se o sinal estava aberto ou fechado para pedestres.
Aquele joguinho havia começado de forma interessante, mas já começava a fugir totalmente do controle. Do seu controle.
Olhou o velho galpão e conferiu o endereço registrado em seu palmtop. Definitivamente era ali mesmo o local.
Entrou, seguindo as instruções que recebera por e-mail.
O galpão estava totalmente escuro e só restava a ele esperar.

Tudo começara seis meses antes.
A princípio foram algumas mensagens de celular prometendo muito dinheiro.
-Spam! –ele pensou.

Logo depois um e-mail em sua caixa postal, de uma pessoa jurídica que ele nunca sequer ouvira falar.
-Mais spam! Direto pra lixeira!

Até que num fatídico dia foi adicionado em seu programa de conversa instantânea por uma pessoa que ele não fazia idéia de quem era.
Contrariando totalmente seu código de segurança virtual, aceitou o estranho e então tudo começou.

Stranger diz:
Olá Lukas! Finalmente podemos conversar...

lukasbittencourt diz:
Quem é vc? Como conseguiu meu endereço eletrônico?

Stranger diz:
Calma! Quero tratar de dinheiro. De muito dinheiro! Está interessado?

lukasbittencourt diz:
Aquele mesmo papo das msgs de celular e dos e-mails... Quem é vc?

Stranger diz:
Vamos conversar...

A curiosidade falou mais alto e ele se viu envolvido naquele jogo.
Promessa de dinheiro fácil nunca o atraíra, pois sabia que dinheiro nunca vinha de forma fácil.
Mas a explicação foi tão convincente que ele acabou embarcando naquela história toda.
A princípio era tudo divertido. As conversas, o plano, o projeto.
Inovador, realmente! Promissor!
Até que chegou o momento de encontrar-se pessoalmente com o famoso ‘Stranger’.

E agora se encontrava ali, pela terceira vez, para um encontro com ‘Stranger’, cada uma dessas vezes num local diferente, sem que pudesse ver o rosto de seu interlocutor, pronto para ouvir orientações malucas que culminariam em ganhos exorbitantes.
Depois do primeiro desses encontros, um susto que o amarrou definitivamente em toda essa história. Atendendo à orientação final de ‘Stranger’, consultou seu saldo em sua agência bancária virtual pelo seu notebook e quase caiu para trás.

-R$ 100.000,00!!! Que valor é esse?

A voz projetada eletronicamente no galpão encheu o ambiente e ‘Stranger’ explicou:

-Trata-se de seu primeiro pagamento. Muito mais dinheiro está por vir. Dentro de algumas semanas entraremos novamente em contato para saber como anda o trabalho que encomendamos. Até lá, empenhe-se em fazer o que solicitamos. E fique tranqüilo, será muito bem recompensado!

E ele fez o que foi solicitado.
Vários dias de pesquisa intensa, pesquisando a vida de uma lista de pessoas que recebera e que chegou a conclusão que não eram muito diferentes dele próprio: solitárias, sem grandes vínculos, que se interessariam em ganhar dinheiro de forma rápida.
Marketing de cadeia foi o que ‘Stranger’ disse.
Possibilidade de milhões, em longo prazo.
Imperdível!
Um segundo encontro, onde passou um relatório completo sobre cada nome da lista que recebera, de acordo com pesquisas que realizou. E desde então um grande período de silêncio, sem qualquer notícia de ‘Stranger’ e da organização a que ele representava.

Até aquela manhã, quando recebera as orientações, por e-mail, para um novo encontro, que mudaria sua vida.
E estava ali, naquele galpão, aguardando que em algum lugar distante aparecesse um vulto e que uma voz eletrônica enchesse o ambiente.
Pois a ele restava apenas isso, esperar.

Enfim, tudo aconteceu.
Exatamente como das outras vezes.
A luz do galpão baixou ainda mais, a ponto de parecer noite.
No alto, Lukas conseguiu perceber vagamente um homem de terno e a voz eletrônica encheu o ambiente:

-Malas prontas, Lukas? – perguntou ‘Stranger’.
-Por que deveriam estar prontas? Vou viajar? –ironizou Lukas.
-Vai, meu caro... Agora realmente o jogo vai começar... E você é peça importantíssima nesse tabuleiro.

Em casa, depois de consultar seu saldo bancário e novamente não acreditar em tantos números em sua conta bancária, repassou mentalmente as orientações que recebera.
Realmente, não poderia ser tão ruim.
Imaginara-se num verdadeiro Big Brother a princípio, já que não poderia sair de sua cabine durante as primeiras horas do cruzeiro.
Um cruzeiro!
Uma festa à fantasia!
Observar atentamente os outros convidados e emitir relatórios periódicos sobre cada um deles.
Sem se deixar descobrir por eles.
Ser mais um naquela viagem, infiltrar-se, conhecer os pontos fracos e fortes dos outros.
Seria um espião.
Seja lá o que isso significasse.
Não gostava de todo da idéia.
Mas ela também não o desagradava totalmente.
Que começasse o jogo!Ele estava pronto!

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Surpresa Virtual

Depois de um dia exaustivo de trabalho e muito estresse do chefe o que mais se podia esperar?

Nada! Sem namorado ou paquera, ficante ou similar, nenhum programa especial, nenhuma amiga para me convidar para algum show... só me restava mesmo navegar na internet.

Se minha mãe me visse já imagino o seu olhar de reprovação: “minha filha, de que adianta um bom emprego, tanta independência e viver sozinha? Internet??? Loucura da modernidade! Jesus!”

Distraída, no bate papo mais pra lá do que pra cá, abri minha caixa postal na vã esperança de que um e-mail salvador da pátria, renovasse minha expectativa de ter uma sexta-feira fenomenal. Contas a pagar, extrato do banco, piadinhas masculinas do tipo “sem graça”, nada especial...

O celular tocou. Enfim vou sair foi o meu pensamento. Decepção. Era apenas um lembrete sem importância.

De volta ao computador meus olhos fixaram num e-mail qualquer: “Raquel, abra aqui o seu presente”. Cética, não dou atenção.

Voltei ao bate papo. Entendiante: qual seu nome? De onde, etc? Quantos anos? Casada? Ah, como eu detesto essa pergunta! De todas é a que eu mais odeio. Admitir que aos 34 anos não me casei! Aff!

Já quase desistindo, o nick “Henrique” me chama atenção:
-Oi, Ana! Boa noite! - Ana era o meu nick
-Oi...-Tudo bem? Quantos anos?
- 33. Tudo bem, melhor agora, falando contigo! Adoro o seu nome! Você é daqui mesmo?
Pensei bem antes de responder:
- Sim.
- O que faz da vida?
- Secretária e você?
-
- Trabalho como autônomo. Seria precipitação minha pedir seu telefone? Não sei o que há, mas quero ouvir sua voz...
- Não, tudo bem...

Três minutos depois, escutei a voz mais linda, suave e tranqüila que já ouvira em toda a minha vida. Uma onda de arrepios tomou conta de mim, conversamos por duas horas e a afinidade entre nós era algo extremamente notável.

Feliz com a promessa de um novo e breve contato, desliguei o celular crente que encontrara o homem da minha vida.Voltei à caixa postal e o mesmo e-mail me chama atenção... que mal faria eu abrir meu presente? Diante das minhas “opções” nenhum. O máximo que pode acontecer é dar de cara com mais uma das promoções atrás do meu rico dinheirinho.

Um clique:

Raquel, mais uma vantagem especial para você, internauta! Como nossa cliente preferencial, você foi contemplada na Promoção Sete Mares! Tentamos contactá-la por telefone, mas não conseguimos. Entre em contato conosco e participe de um sensacional mini cruzeiro pelo litoral. Maiores informações pelo telefone ou acesse nosso link.

Sem pensar, mais um clique:

Raquel, mais um clique e sua vida vai mudar totalmente!Descubra a surpresa que reservamos para você! Clique aqui!

Automaticamente... clique:

Cansada de sua vidinha? Entediada com a falta de programas? Confirme seu sobrenome e fará a viagem mais emocionante de sua vida!

Outro clique.

Preencha seus dados e aguarde nosso contato telefônico. Iremos revolucionar sua vida com esse programa!

Despretensiosamente preencho a ficha e fecho minha caixa postal.

Tomei um banho bem demorado e relaxante, no microondas um pedaço de pizza. Ainda de roupão, sentei na cama, me preparando para mais uma noite como todas as outras: solitária.

Um copo de água no criado mudo, TV nem em pensamento, arrumei os travesseiros e me deitei. Passados alguns minutos o sono começou a chegar. Seria mais uma noite comum...

- Trimmmm... Trimmm!!!

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Oito Segundos

A neblina fria e úmida tornava a cidade mais ameaçadora. Uriel sentia seu coração pulsar na garganta, andando apressadamente, esquadrinhando a rua com seu olhar nervoso, apertava o laptop contra o peito. A garoa caía, mas agora tinha certeza que não havia como voltar atrás. Viu um carro de polícia afastar-se ao longe.

Chegou finalmente até a cabine telefônica, observando atentamente ao redor, onde apenas um mendigo fétido e bêbado conversava sozinho. Entrou na cabine e enfiou a mão cuidadosamente atrás do aparelho. Sentiu os fios da linha telefônica e os afastou usando o indicador e o dedo médio como pinças. Não era uma simples ligação que precisava. Sentia o suor umedecer suas axilas, tateou um pouco mais e achou o que queria. Um pequeno cabo de transmissão de dados, certamente ligado a um grande servidor, do outro lado da linha. Desde que haviam inventado transmissões de dados, orelhões que recebiam cartões de crédito os tornavam pontos abertos e anônimos de entrada em banda larga para a web. Sabendo-se os códigos corretos, era como se pudesse acessar de forma invisível. Era tudo o que queria.

Em exatos oito segundos, todas as quantias em centavos de milhares de contas de um grande banco iriam sumir, como em um passe de mágica, até um paraíso fiscal. Ali, em seu laptop, os códigos multimilionários, uma compilação do trabalho de vários hackers, abriria uma porta no servidor do banco, que levaria apenas 8 segundos para fechá-la. Mas em 8 segundos, mais de dois milhões de dólares estariam em uma conta em um lugar fora do alcance. Seu IP desapareceria para sempre, e o dinheiro sumiria no servidor da telefônica, que, infectado com um vírus potente, apagaria qualquer registro. Finalmente acessou o cabo cercado de anéis de aço. Retirou de seu bolso um alicate de corte, olhou em volta mais uma vez e cortou o cabo. Em poucos minutos, seu laptop estava ali, pronto para lançar os códigos que o fariam milionário, e o vírus, que atrapalharia a companhia telefônica. Um carro de Polícia passou lentamente, observando as cabines. O coração de Uriel disparou, mas manteve o sangue frio, pegou o fone e simulou uma conversa, não atraindo para si a atenção policial. O carro afastou-se, o bêbado olhou para a cabine e reclamou das luzes da polícia. Era a hora. O laptop acessou o servidor e entrou na internet sem muita dificuldade, logo iniciou uma seqüência de dados, e Uriel passou a controlar nervosamente a barra de progresso. Quando a barra chegou ao fim, o telefone da cabine tocou estridentemente. Uriel num só movimento arrancou o fio de conexão, fechou o laptop e correu o mais rápido que pode, apertando o laptop contra o peito. Pegou a moto que deixara há um quarteirão, acelerou em direção ao cais do porto. Acelerou a moto paralelamente a borda e jogou o laptop aberto, nas águas profundas e escuras.

Uriel acendeu um cigarro e sorriu. Iria para casa, abriria seus e-mails falsos e constataria o quanto sua vida mudara... e o quanto sua vingança seria perfeita.

- Agora o jogo começou...

Foi quando sentiu uma picada na lateral do pescoço. E as luzes do cais tornaram-se borradas, até que se apagaram de vez. E logo estava inerte, ao lado da moto.

Luiz Shumy

Quem via aquele homem alto de cabelo castanho com fios ondulados e perfeitamente penteados, fazer par com os olhos castanhos que lembravam duas jabuticabas maduras, adornados pelo sorriso de menino travesso; ninguém jamais imaginaria o desejo quase insano que ele tinha de sair correndo daquele escritório.

Liberdade! Essa era a única palavra que perambulava na cabeça de Luiz Shumy. Gostava do serviço, mas nos últimos tempos parecia que nenhum relatório era suficiente para satisfazer à necessidade de informação da diretoria. Havia dias que pensava que seu cérebro seria sugado por números, formulas, conjunções e concessões. Conduzia os orçamentos da empresa, com magnitude, mas sentia que sempre faltava algo.

Depois de 5 horas de reuniões seguidas, voltou para o sossego de sua sala; que aquela altura do dia parecia ter sido assolada por um tornado. Havia uma pilha gigantesca de relatórios para assinar, vários recados sobre a mesa, à caixa postal estava lotada de e-mails não lidos, sem falar nas várias chamadas não atendidas no celular. Às vezes achava que os filmes do Spielberg, não estavam tão longe da realidade; o mundo parecia um globo digital onde um louco controlava cada movimento.

Sentiu seu coração acelerar, parecia que a cabeça estava prestes a estourar e tinha a sensação de que as paredes da sala estavam se movendo para cima dele. Sem pensar em mais nada, levantou e saiu tão rápido quanto suas longas pernas eram capazes de andar. Passou pela secretária e não conseguiu registrar a informação que ela falava, olhou para o elevador, mas a escada foi mais atrativa. Parecia um louco enquanto descia os degraus, afrouxou a gravata, desabotou três botões da camisa e quando viu já estava na calçada andando por entre as pessoas. Milagrosamente a pressão desapareceu. Andou até os pés não agüentarem mais, o vento batendo em seu rosto parecia levar para longe todas as preocupações e tormentos da sua mente.

Já era noite quando chegou à porta do edifício. O porteiro olhou para ele com ar de desaprovação.

- Sua secretária está desesperada atrás do senhor, pediu para que ligasse assim que o visse. O senhor está bem?
- Estou, pode deixar que eu mesmo ligo.
- Tem correspondência para o senhor.
- Obrigado e boa noite.


Entrou no living e quando viu seu reflexo no espelho, começou a rir. Parecia um psicótico fugindo do sanatório. Entrou no apartamento e sem acender as luzes foi até o quarto, onde terminou de se despir, permitiu-se ficar embaixo da ducha por mais de meia hora, como se a água morna fosse capaz de eliminar os resíduos finais daquele dia infernal.

Mais tarde quando se sentiu mais tranqüilo, ligou para a secretária informando que teve uma emergência, mas estava tudo sob controle, desligou desejando um bom final de semana e pedindo para ela providenciar algumas informações com o pessoal da controladoria na segunda cedo.

Ligou o celular e começou a ver as ligações não atendidas e mensagens recebidas, havia um recado da mãe na secretária eletrônica, retornou a ligação já sabendo que o assunto seria “Você sumiu, estou com saudade! Você está bem? Tem se alimentado direito? Você precisa sair mais, colocar sua vida para andar novamente”. Dez minutos despediu da mãe e mandou lembrança para o pai e irmãos. Amava a família e sentia a falta deles por perto, mas a vida acabou por fazer com que fosse morar longe, ossos do oficio!

Já estava deitado quando o celular tocou, olhou desanimado no visor “nova chamada”, atendeu com voz de poucos amigos.

- Boa noite. Sou Ronei Ditche, consultor da sua operadora de telefonia móvel. O meu contato é para informar que o senhor foi o nosso cliente premiado na Promoção Sete Mares. Trata-se de um mini cruzeiro pelo litoral do estado, o embarque é amanhã às oito horas na Marina, com previsão de retorno no domingo as 17hs.
- E você ligou agora? Tentamos contato com o senhor o dia inteiro, mas seu telefone estava sem sinal.
- Ok, você tem mais informações? Terei que pagar algo?
- O senhor deverá levar apenas pertences pessoais. Bebidas e alimentação estão inclusos no pacote. Como parte do evento, teremos uma festa a fantasia a bordo, não precisa se preocupar, as fantasias serão disponibilizadas por nós. Posso confirmar sua presença?

Pensou por alguns segundos e respondeu.
- E porque não?