sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Uma Surpresa Desagradável!

Uriel ainda estava pensativo com os últimos acontecimentos. Lembrara da ligação que recebera pelo celular via satélite na manhã seguinte à festa. Olhou para o lado, ainda tonto, e não vira mais Rachel. Atendeu ao celular escondido no armário.
Em seu nervoso, o que ouvia não fazia sentido, pareciam frases isoladas...

“Instale o bloqueador de celulares... Acione o misturador de freqüências... Ninguém vai acessar a Internet... Tente manter a aparência de um milionário... Fale pouco... Escute minhas ordens... ou todos morrem!...”.

Uriel ainda tremia ao lembrar da última palavra falada pela voz no celular... ”Lukas”...


Como a voz ordenara, fora até a reunião bem vestido, não deveria falar absolutamente nada, seria o último a ter de se explicar, o que não tinha a mínima vontade. Uma daquelas lindas e misteriosas mulheres deveria ser a hacker com quem deveria ter se encontrado no cais.
“Ana”, esse era o nick... não conseguia se lembrar dela... encontrara-a pela primeira vez em um cyber-café, um ambiente escuro, um rosto furtivo, coberto com muita maquiagem, não conseguia lembrar de seu rosto. Conhecia sua voz, era apenas isso que lembrava dela... e tinha certeza que já a ouvira outra vez.
Um nick tão simples, uma mulher misteriosa e determinada que por algum motivo não explicado lhe ajudara muito ao lhe passar aqueles documentos que forneceram a chave para construir seu plano de invasão. Deveriam ter se encontrado no cais. Certamente algo aconteceu enquanto a esperava, e sem saber, estava em um cruzeiro, com apenas duas pessoas familiares...Isso trazia mais e mais raiva.
Porque ele estaria naquele cruzeiro? Um daqueles passageiros deveria evitar... e, conforme as ordens do celular, um daqueles deveria“neutralizar com todos os meios. TODOS mesmo. Você tem uma arma para isso”...
Logo, Uriel perceberia que a Reunião terminaria de forma súbita e surpreendente. O desmaio da linda mulher, Rachel sorrindo perigosamente, a possibilidade de ter de matar alguém, tudo isso girava em sua cabeça, sentia-se vigiado, acuado. Mas uma coisa tinha certeza: quem estivesse por trás desta armação, poderia até descobrir o golpe bancário, mas não possuía a senha de acesso, que só existia na mente de Uriel.
Sabia que seu programa no máximo permitiria rastrear o número da cabine de rua. E a conta, numerada, escondia sua identidade. O programa Gatress-ware fora um sucesso.

Agora se via seguindo rápido pelo corredor do navio, Cíntia e Vila Nova o seguiam, numa busca por algum indício, algo que pudesse explicar a ausência da tripulação, como chegara ali, e o porque. Desceram até os decks de camarotes, Vila Nova ficara com o deck da tripulação e serviços. Cíntia, agora havia desaparecido, e ele seguia até a Sala de Máquinas. Tivera muito cuidado para não ser seguido por nenhum dos dois, sacou sua arma e entrou por uma porta-estanque, trancando-a por dentro. Logo ouviu o barulho do imenso motor. Não via nenhum tripulante, e não havia sinais de vida.
Contornou a área do motor e do gerador, e a cada movimento esgueirava-se pelas paredes. Observou uma porta para o compartimento de cargas do navio. Era uma porta de emergência, utilizada pela tripulação para chegar à carga.Com todo o cuidado, sentindo o coração na garganta, abriu a porta, e desceu por uma escada metálica, ao fim dela, uma outra porta-estanque aberta. Havia pouca luz, o calor e o barulho eram sufocantes, mas seus sentidos vibravam, sentia os dedos suados apertarem a coronha da pistola cada vez mais. Poderia encontrar alguma saída, um jet-sky, por exemplo, mas ao chegar ao compartimento de cargas, ao olhar para o fundo do compartimento quase vazio, percebeu uma série luzes vermelhas no chão. Colocou a arma no bolso e seguia apoiando-se na lateral, tateando a penumbra do local, onde o ar era opressivo.
Chegou à série de pequenos leds, que faziam o chão do compartimento parecer um painel de luzes vermelhas. Contara vinte luzes. Abaixou-se e olhou uma bem de perto.

O que via agora lhe fizera cair sentado no chão.

Ali, naquele compartimento pontilhado de leds vermelhos, Uriel percebeu um sistema de detonação por controle remoto, fios emaranhados, e sob cada led luminoso, colados à uma boa parte do fundo e da parede lateral, uma carga de explosivos plásticos, suficientes para explodir um edifício. Embora não fosse um especialista, sabia que jamais conseguiriam desativar os artefatos.

O navio, em si, era uma imensa bomba prestes a explodir.

Voltou correndo pelos corredores, passou pelo motor, que roncava em velocidade baixa, e subiu as escadas o mais rápido que pode. Subiu pelo deck oposto ao de Vila Nova , parou com lágrimas nos olhos, vomitou o pouco que comera até então.
Tinha de sair dali, não poderia ficar naquele navio, recebendo ordens, agindo como o bandido que nunca fora. Não poderia “neutralizar” uma pessoa, e decididamente, não poderia morrer ali. Lutaria com todas as armas, e no seu caso, bastava um computador em mãos. Poderia entrar no sistema de navegação do navio, e direciona-lo pelo GPS a um ponto próximo da terra. Poderia desativar o sistema de câmeras e acessar livremente a Internet. Poderia enganar quem estivesse no controle... ou morrer em uma explosão.
Seguiria as ordens à risca, ou morreria? Em quem poderia confiar? “Ana” estaria no navio? Porque? E Vila Nova?

Encontrou com Lukas, Raquel e Cíntia no deck superior, próximo à cabine de comando. Segurou o braço de Lukas com força, separando-o das meninas, que continuaram a esgueirar-se pelo corredor. A voz de Uriel saiu profunda, grave e baixa, assustando Lukas.

_ Venha comigo agora...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Revelações

Acabou de passar a mensagem para Lukas e notou que sobre a mesinha havia um envelope pardo com seu nome escrito em letras garrafais: RACHEL MACCIOTI.

Abriu, leu, engoliu em seco.

Seus pensamentos voltaram-se para aquela tarde no escritório. Apaixonada loucamente por Ranald, Rachel envolvera-se de tal forma que estava completamente cega. Acreditara piadamente nas palavras mentirosas dele quando lhe dissera que se separaria da esposa e assumiriam publicamente a relação.

Entretanto, Rachel entrou na sala de Ranald sem se anunciar e não acreditou quando seus olhos distraidamente viram na tela do computador um e-mail que denunciava o caso do patrão com outra funcionária. Ela saíra da sala bruscamente sem esperá-lo voltar do toalete.

Em sua mente um turbilhão de pensamentos divagavam. Sentou-se em sua mesa, olhou fixamente para a tela do computador e fingiu concentrar-se no trabalho. Uma raiva doentia foi tomando conta dela, ferida em seu próprio orgulho, o ódio parecia exalar por cada um de seus poros.

“Maldito!!! Tantas declarações, jóias, bombons, até o apartamento ricamente mobiliado onde morava tinha ganhado daquele filho da puta!”

Seus planos românticos de ser feliz tinham ido por água abaixo. Vingança! Era só nisso que ela pensava! Ranald Armond pagaria caro por fazê-la de boba!

- Rachel, pode vir à minha sala?
- Já estou indo, senhor!
Ao entrar, foi recebida como sempre, com um beijo. Sentindo um misto de asco e raiva, resolveu usar a situação a seu favor.
- Querida, preciso de um grande favor. Lembra daquela nossa “conta” no exterior?
...
A secretária tinha conhecimento de vários negócios ilícitos do chefe e por amor, embora seus princípios fossem contrários a isso, tinha permitido que ele usasse seu nome para abrir uma conta no exterior para evasão de divisas e lavagem de dinheiro, dinheiro esse que Ranald afanava de um de seus clientes.

Ao voltar para sua sala, Maccioti já sabia o que fazer para acabar com Ranald! Seus planos encaminhavam-se melhor do que planejado. Ver a foto íntima de Ranald com a assessora de imprensa, sua amiga de velha data, era mais um dos golpes de sorte do tal de destino.

Entre outros serviços, a empresa para a qual trabalhava fazia também a segurança de um internet banking. Como funcionária de confiança, Rachel tinha acesso documentos altamente confidenciais. Dias antes tinha lido um dossiê completo sobre Uriel, um hacker que havia desenvolvido o "Gatress-ware", um sofisticado programa capaz de invadir o mais seguro dos sistemas. Tal programa era de fato, muito bom, contudo o Web Security Armonds contava com os melhores profissionais e alta tecnologia e, portanto, o rastreou.

De posse de todas essas informações e com o acesso livre a todos os programas da empresa, Rachel fez alguns desses relatórios, principalmente o que delatava o hacker, “desaparecerem” antes de chegarem ao conhecimento do chefe de segurança. E, por algum desses golpes de sorte da vida, “descobriu” paulatinamente algumas senhas e números que são repassados a Uriel, a quem se uniu no intuito de se vingar de Ranald...

Quem poderia saber tudo aquilo sobre ela? Havia tratado de ocultar todas as pistas, limpar todos os rastros que levavam a ela... até mesmo quando se encontrou com Uriel, para sua proteção, Rachel havia se disfarçado colocando uma peruca ruiva, óculos escuros e maquiado-se de maneira a mascarar seus traços faciais...

*************

Quem quer que tivesse por trás daquele cruzeiro tinha um objetivo muito bem definido, sabia exatamente onde pisava, ou melhor, sabia a teia que fiava, parecendo um verdadeiro arquiteto, (ou seria arquiteta?) sua perfídia assemelhava-se a uma aranha que atrai sua vítima, deixando-a vulnerável para que essa fique presa por todos os lados e depois com velocidade e frieza peculiares a embrulha hermeticamente em fios, transformando-a numa comida pra viagem.

“Eu não vou virar comida pra viagem... não vou cair nessa teia mesmo!”

Rachel sorriu ao abrir a porta e convidou Lukas a entrar.
- A sedutora Marilyn Monroe já foi dormir? (Risos) Achei que íamos começar a segunda sessão de beijos.

Ironicamente, Rachel fita o homem à sua frente, senta-se, cruza sedutoramente as pernas.

- Lukas, você é inteligente. Já percebeu que quem organizou tudo isso não está de brincadeira. Pelo que percebi você é mais uma marionete manipulada nesse cruzeiro. Tenho uma proposta para você.

-Adoro propostas! Diga lá, minha cara!

- Vamos direto ao ponto. Eu não quero perder, aliás, eu nunca perco. Vim ao mundo para ganhar e não vou deixar ninguém me chantagear de graça! Você não sabe tanto quanto demonstra. Está tão perdido quanto eu. Que tal você e eu nos aliarmos? Unir nossas forças e juntos estudarmos as peças desse quebra-cabeça?

A troca de olhares entre os dois mostrava que ali fora selado um pacto!

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As 7 cadeiras, as caras assustadas daquelas outras 6 pessoas, o desmaio de Teca, a explosão, nada disso surpreendeu Rachel. Ela sabia que “o” ou “a” “Aranha”, nome que arranjara para denominar o organizador daquela “teia” não estava para brincadeiras.

Antes de seguir Lukas, Rachel puxou uma nervosa Cíntia para acompanhá-los. Resolveu levá-los até sua cabine, onde poderiam tentar usar seu laptop para pedir socorro...

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Verdade

A afirmação de Cíntia atingiu a todos como um míssil desgovernado. Por alguns segundos o silencio tomou conta do deck e o olhar de pânico foi geral. Todos voltaram a falar ao mesmo tempo numa confusão generalizada. Enquanto isso o olhar de Luiz percorria cada rosto na tentativa de visualizar algo inusitado.

Fixou por um breve momento o olhar em Uriel, por algum motivo aquele homem o fazia sentir um grande mal estar, a troco de que ele precisava encará-lo daquele jeito?

- Acredito que tudo isso tem a ver com o conteúdo de nossos envelopes e o convite para embarcar nesse cruzeiro, correto? – Mais uma vez o silencio tomou conta – Ontem após sair do banho encontrei minha fantasia sobre a cama e meu envelope. Nele haviam fotos tiradas durante uma consultoria que realizei anos atrás para um cliente, um bilhete solicitando minha cooperação e total apoio à Téca, Cíntia e Lukas. - Olhando para os três, soltou - Vocês poderiam explicar com o que devo colaborar?

Téca sorriu cinicamente, mas nada falou.

Cíntia trocou um breve olhar com Lukas e respondeu – Na faço a mínima idéia, conheço Lukas há algum tempo. – Todos os olhares caíram sobre Lukas e quando esse resolveu falar, foi interrompido por um estrondo e um movimento brusco no navio, todos correram para grade de proteção a ponto de ver o bico do navio girar 60º estibordo, espalhando um densa espuma branca pela lateral.

- Você não disse que não tinha mais ninguém aqui? – indagou Luiz a Cíntia.
- A cabine do capitão está vazia.
- Acho melhor nos separarmos e procurar em todos os cantos. – disse Uriel seriamente.
- Vamos procurar em cada andar. – disse Luiz, tendo a concordância dos demais.

Uriel andou em direção a escada, tendo Cíntia e VilaNova no seu encalço. Luiz segurou o braço de Téca e disse: - Você vem comigo!

Lukas sorriu maliciosamente para Raquel – Minha querida, você terá o prazer da minha companhia. – Raquel tinha o semblante preocupado, mas seguiu Lukas para o lado posterior do deck.

Luiz tentava processar as perguntas em sua cabeça, teria que agir estrategicamente:
- Então vai me dizer de onde nos conhecemos? – disparou para Téca.
- Que pergunta! Como pode ter esquecido daquelas dias?
- Sinto muito mais não lembro do seu rosto.
- Isso me deixa muito triste, pensei que havia sido uma de suas melhores clientes.


A cabeça de Luiz girou vertiginosamente. Tentou esquecer da época que fazia programa para se sustentar e terminar a faculdade, que muitas vezes parecia nunca ter feito aquilo. Ela poderia estar jogando? Pela expressão, não! – Realmente não lembro de você.

- Engraçado, porque eu me lembro muito bem de cada detalhe desse corpo, assim como sua expressão de prazer e respiração ofegante – riu - não deveria manter tanto sigilo sobre seus dotes meu querido, deveria inclusive ter permanecido na carreira.

- Tive grandes motivos para prestar esse serviço e hoje os tempos são outros, não preciso exercer esse tipo de atividade.

- Todos têm de uma forma ou de outra, precisamos deles para explicar nossas atitudes e decisões. Pelo menos não terei que pagar daqui para frente, correto?

Luiz voltou-se para Téca – Realmente, hoje em dia é somente por prazer! – disse puxando o corpo para junto do seu, rapidamente sua mão alcançou a nuca, deixando Téca totalmente imobilizada. Luiz a beijou antes que tivesse tempo para qualquer reação.

Num estado de prazerosa expectativa, pelos gestos decididos daquele homem, Téca deixou-se ser conduzida, até que foi afastada bruscamente.

- Vamos deixar o restante para depois, agora temos que tentar descobrir quem é o maluco que está nos pregando essa peça de mau gosto. – Luiz deu as costas e continuo seguindo pelo corredor, deixando Téca com olhar enfurecido.

- Descobrir? Pensei que você já soubesse! – Luiz parou estático, enquanto Téca caminhava a passos largos para dentro do navio.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Mais mistérios

A tensão tomava conta do lugar, ao que tudo indicava, todos lá guardavam um segredo, mas ninguém sabia por que exatamente estava naquele cruzeiro. 7 cadeiras dispostas em círculos, com pessoas que Cíntia nunca vira em sua vida, com excessão de Lukas. Ah, Lukas... era a chance que ela tinha de acertar as contas com ele...

Conhecera aquele rapaz há muitos anos, por causa de um e-mail enviado por engano, quando ainda era caloura na faculdade. Lukas era muito bom com as palavras, tinha uma lábia impressionante e, depois de algumas semanas de conversa, convenceu Cíntia a encontrá-lo pessoalmente. Cíntia tinha que admitir, a noite fora muito boa, mas na manhã seguinte, não o encontrou. Como pudera aproveitar-se dela e depois simplesmente desaparecer sem dar explicações?

Lembrava-se de receber diversos e-mails nas semanas seguintes, mas devido à canalhisse de Lukas, recusava-se a abri-los. Apagava-os sem nem mesmo se dar ao trabalho de ler o assunto. Agora encontrava ele novamente e pior, acordava ao seu lado na cama! Não lembrava de nada depois de ter bebido aquele vinho. Não podia ter se deixado levar novamente, não podia! Mas, ironia do destino ou não, dessa vez pelo menos ele não fugiu de madrugada.

Observava a todos intrigada. Como poderiam pessoas tão diferentes estarem reunidas? Então notou um homem, muito bem vestido, com roupas de grife. Deveria ser um milionário (o que não era de se estranhar em um cruzeiro como esse... o estranho mesmo era uma pé-rapada como ela estar lá). Lembrava-se de ter lido algo sobre ele em seu dossiê... não tinha como esquecer seu nome, um nome de anjo. Mas ao que tudo indicava, de anjo não tinha nada. Em sua ficha constava aquela palavra que ela tanto abominava: cracker.

Estava decidida a não contar nada a ninguém sobre o dossiê que tinha em mãos. E ao que tudo indica, ninguém mais o queria também. Estavam todos intrigados, sem saber o que estava acontecendo. Mas uma coisa era certa, já sabia que sua função era desmascarar Uriel, o homem com nome de anjo.

Na reunião, todos falavam ao mesmo tempo, sem chegar a conclusão alguma, isso deixava Cíntia inquieta. Por que, de um cruzeiro cheio de pessoas, somente eles foram escolhidos para essa reunião? Diversas vezes tentou falar alguma coisa para acalmar os ânimos, mas era interrompida pelos demais. Já que ninguém lhe dava atenção, estavam todos entretidos em suas discussões, Cíntia deixou o grupo. Precisava procurar por respostas e lá não encontraria nada.

O navio estava estranhamente silencioso. Àquela hora da manhã, as pessoas já deveriam estar despertando, mas não havia uma alma viva pelos corredores do navio. Cíntia dirigiu-se então à cabine de comando do navio, forçou a maçaneta e após lutar um pouco contra a porta, conseguiu abri-la. Não havia ninguém no comando do navio! Foi aí que percebeu... o navio estava vazio! Aqeulas sete pessoas reunidas no convés eram as únicas pessoas que continuavam a bordo!

Voltou correndo para o convés do navio, o mais rápido que suas pernas poderiam agüentar. Estava apavorada. Nunca aqueles corredores pareceram tão longos quando agora. Precisava chegar logo ao grupo, tinha esperanças que alguém entendesse alguma coisa sobre navios, não tinha idéia de para onde a embarcação dirigia-se e temia que batesse em outro navio ou naufragasse.

Chegando novamente à roda de cadeiras, estavam todos reunidos sobre o corpo de Téca, que estava se recuperando do desmaio. A moça parecia ser confiável, mas agora não tinha tempo para verificar se ela estava bem. Chegou perto de todos, sem fôlego, respirou fundo e disse o mais alto que suas forças poderiam permitir:

- Pessoal, a tripulação desapareceu!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Lembranças do passado...

Téca acordou com a cabeça pesada e o corpo todo dolorido. Espreguiçou-se, sentou na cama e sorriu de forma cínica ao lembrar da noite anterior. Apesar de toda aquela confusão com os fogos na hora errada, a tal Isadora desculpando-se pelo incidente, o tal Luiz que ela tinha certeza conhecer, ela se divertiu muito. Bebeu todas as tequilas que agüentou, dançou a noite toda e flertou muito... tudo bem que o tal Don Juan ela não viu mais, mas na festa tinha tanto homem bonito que até esqueceu dele por um tempo.

Tomou um longo banho, vestiu seu biquíni, colocou um chapéu e ao virar-se para pegar a bolsa, notou em cima de sua cama um envelope pardo com seu nome e o Pager apitando sem parar. Antes de ver o envelope olhou a mensagem do pager e ficou um pouco assustada com a mensagem que dizia:

Bom dia Téca! A noite foi boa mesmo hein? Mas agora é hora de trabalhar...acho que já deve ter visto o envelope com seu nome não é mesmo? O conteúdo dele com certeza vai te deixar boquiaberta, visto que vc tinha absoluta certeza que nunca ninguém iria descobrir o seu passado. Pois bem, eu sei tudo sobre você Maria Theresa...

E a mensagem foi finalizada... Assustada, Téca acendeu um cigarro e abriu o envelope num segundo. Ficou um tempo olhando para aquelas fotos, aquele relatório como se não acreditasse e de repente uma lágrima escorreu em seu rosto. Mas Téca não era mulher de se abater assim tão fácil, então enxugou a lágrima, e com ódio nos olhos gritou dentro de sua cabine, enquanto jogava para o chão tudo que podia.

- Seja lá quem for que está fazendo isso comigo, não vai me vencer. Não agora depois de tudo que lutei para conquistar o que tenho hoje. Nenhum filho da puta vai tomar de mim o que eu consegui, nem me destruir. Depois de tanto sacrifício pra me livrar de tudo? Enquanto eu viver, nada e nem ninguém vai me destruir...

Nisso o pager apitou novamente e Téca enfurecida leu a mensagem que dizia:

Sua reação foi exatamente como eu imaginava, afinal quem fez o que fez não poderia simplesmente sentar e chorar não é? Agora preste bem atenção: Não te interessa quem eu seja, o que interessa é que sei de tudo e por mais que vc tente, está em minhas mãos. Vai ter que fazer o que eu mandar, e agora quero que se arrume, passe um batom, pegue esse envelope e vá até o convés, encontrar mais 6 pessoas que tenho certeza, vai reconhecer entre elas pelo menos um. Se abrir essa boquinha linda pra falar pra alguém, eu mato você antes do anoitecer. Ah, mais uma coisa, o tal Luiz que vc conheceu na festa vai estar lá. Quero que você fique atenta em tudo que ele faz, e se aproxime dele. Você consegue, use seu poder de sedução... (fim da mensagem)

Téca estava transtornada, acendeu outro cigarro, respirou fundo e foi na direção do convés, mas algo lhe dizia que esse encontro não seria bom...

Entrou assustada mas não deixou que ninguém percebesse, então tratou logo de sorrir cinicamente pra todos que estavam ali. Sentou-se de frente pra uma cadeira vazia, que logo foi preenchida exatamente por Luiz... Téca não acreditou, era muito bom pra ser verdade... sua presa, ou seja lá o que ele era estava bem de frente pra ela...

Embora tentasse disfarçar, não conseguia parar de olhar para o tal Don Juan, que agora já sabia se chamar Lukas... ele era extremamente sedutor, tinha olhos que pareciam enfeitiçá-la... Téca então pensou: “Hum... algo estranho com esse Lukas... por que ele está no comando disto? Ele sabe bem o que está fazendo... isso não é bom. Terei que me aproximar dele também pra ver qual é a desse cara. Mas nada de se envolver com ele hein Téca." - falando com si mesma.

De repente aquele encontro que parecia aparentemente calmo, virou uma bagunça depois que um rapaz que ela não tinha visto na festa gritou:

- Mas e agora, meu caro? Será que vamos continuar guardando nossos segredos ou vamos juntos tentar sair dessa situação maluca em que estamos?

Todo mundo queria falar ao mesmo tempo, o tal Lukas sugeriu que cada um se apresentasse , mas o que se via naquele momento eram olhares desconfiados e pontos de interrogação na testa de cada um dos que estavam ali.

A tal fada que Téca havia conversado no bar, durante a festa estava muito agitada, e olhava para o Lukas sem parar, como se quisesse dizer alguma coisa. Notou também que ela fazia menção de se levantar e achou que ela fosse tomar alguma providência...

Aproveitando-se da bagunça formada, e notando que Luiz estava parado do mesmo jeito de quando chegou, Téca se aproximou, abaixou e sussurou em seu ouvido:

- Bom dia Luiz!!! Você dormiu bem querido? Espero que sim, porque eu dormi maravilhosamente bem!

Sem esperar resposta, virou-se com seu sorriso cínico, foi até o centro da roda, com seu envelope na mão e gritou:

- Querem calar a boca por favor? Com esse barulho todo, e essa bagunça não chegaremos a nenhum lugar!

De repente todos, viraram-se para Téca como se esperassem que ela fosse falar algo... mas ao invés de falar, Téca cambaleou e caiu desmaiada. Acordou com aquele bando de gente em cima dela, e falou

- Foi só um mal estar, desculpem-me. Acho que devo ter exagerado nas doses de tequila ontem.

Na verdade Téca não havia sido acometida por um mal estar devido a quantidade de tequilas que bebeu, mas sim, ao fitar os olhos naquela moça que ainda não sabia o nome e ter reconhecido nela, alguém de seu passado...

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A Teia

Naquele momento, Vila Nova percebeu que o cruzeiro não era, apenas, um simples passeio romântico. Se alguém sabia de toda a história sórdida em que se envolvera é porque havia uma boa razão para ele estar ali.

Se o Dom Juan disfarçado não tivesse feito menção ao seu segredo, certamente acreditaria que a invasão ao seu quarto e os tiros que o mesmo dissera ouvir não passavam de criação de uma mente embriagada.

O jornalista deixou Lukas ir embora, dizendo que cumpriria as tais regras. Ao fechar a porta, ficou pensando em tudo que estava acontecendo. O encontro inesperado com Lúcia, o jogo de sedução, o convite. Lembrou-se de um professor que dizia que, na vida, não existe caso fortuito.

Pelo visto, ele era peça de um jogo. Enquanto não descobrisse o objetivo, não poderia deixar de jogar. Tirou o saco plástico transparente que envolvia sua fantasia, quando notou um envelope, que se desprendeu da roupa. No interior, um relatório contendo seus dados, um resumo daquilo que usariam para chantageá-lo e, como predissera Lukas, a pedido de Isadora, as tais regras que deveriam ser seguidas. Ao final, um recado:

Não se sinta preterido, mas nada de laptop, celular ou pager para você. Para nos comunicarmos, usaremos a boa e velha escrita.

Sem condições para discutir ou desobedecer às regras, Vila Nova guardou o envelope, vestiu sua fantasia e seguiu para o baile. Talvez Lúcia pudesse ser um pouco mais clara. Entrou no salão, no exato instante em que Isadora se desculpava por alguns tiros de festim e fogos de artifício, programados para determinada hora e que, por uma falha no sistema, foram disparados antes do previsto. Pelo que entendeu, o fato havia causado certo pânico entre os passageiros.

O jornalista teve ímpeto de interrogar a loira, tentar descobrir o que queriam dele, mas lembrou-se da regra número 01: Nada de perguntas, nada de contato. Resolveu, então, procurar Lúcia. Imaginou que, por mero sarcasmo, tivessem lhe dado uma fantasia de Dulcinéia, o ideal dos sonhos de Dom Quixote. Rodou o salão, mas não a encontrou. Dirigiu-se ao bar, de onde poderia ter uma visão mais privilegiada do local e, passado alguns minutos, quando estava decidido a sair, alguém se aproximou, fantasiado de Sancho Pança, a personagem que significa a própria razão, na obra de Cervantes.

- Procurando Dulcinéia? Não se recorda que ela não aparece no livro? Trata-se, apenas, de um devaneio de Dom Quixote, meu caro. Disse o homem.

- Então, Lúcia não está aqui?

- Desista de achá-la. É só o que posso dizer, no momento. No mais, aproveite a festa, amanhã é um outro dia.

Sancho Pança se retirou, deixando Dom Quixote com seus pensamentos.

“Posso não ter laptop, nem celular, nem mesmo um pager, mas os ventos que movem as pás desse moinho mudam de direção...”

Decidido a achar algumas respostas, Vila Nova se misturou aos demais convidados. Possuía memória fotográfica, por isso, registrou alguns fatos interessantes que aconteceram naquela noite. Não bebeu. Precisava de toda lucidez para trabalhar, usando apenas os recursos que tinha em mãos.

A certa altura da madrugada, Isadora se aproximou do jornalista. Havia muitas pessoas ao redor. Se alguém os observava de um lugar qualquer, certamente não conseguiria vê-los com clareza. Rapidamente, a loira entregou-lhe um bilhete e se afastou.

Não se preocupe, tudo dará certo. Confie em mim. Alguém aqui gosta de você e me pediu para ajudá-lo. Não posso revelar o nome. Destrua esse bilhete, para sua segurança.

Vila Nova guardou o papel. Não estava com sono, mas achou que era melhor voltar para o quarto. Assim que entrou em sua cabine, encontrou outro bilhete, afixado num espelho.

Siga a instrução: Amanhã, ainda pela manhã, fará parte de uma reunião com mais alguns passageiros. Já sabemos que você conhece uma dessas pessoas, apesar dos anos que não se falam. Se a reconhecer, finja que nunca a viu. A vida dessa pessoa está em suas mãos. Aja como o jornalista que deseja descobrir um grande furo de reportagem. Não é o que deseja para sua carreira? Nessa teia, cada um assumirá um papel. Desempenhe corretamente o seu.

- Decididamente, preciso virar esse jogo! Disse para si mesmo. Cláudio tirou a fantasia de Dom Quixote, deitou-se na cama e foi tentar encaixar as peças daquele quebra-cabeça. Pensou em rasgar o bilhete de Isadora, mas desistiu da idéia. Novamente, pegou o livro sobre o criado-mudo. Na página 213, havia um criptograma feito com as próprias letras da obra, destacado à caneta.

- Será que isso é para mim? O que estão querendo me dizer? Quem está querendo me proteger, afinal? ... Mas que coisa surreal. Quase inacreditável! ... Bem sugestiva a fantasia de Dom Quixote. Será um gigante essa história ou tudo isso não passa de um moinho de vento?

E, lembrando-se do que estava no último bilhete, voltou a dizer para si mesmo:

- “Nessa teia, cada um assumirá o seu papel”... Mas que raios de teia é essa?

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Um Emaranhado De Situações

-Enfim, acho que sobramos apenas nós! –disse um Lukas que tentava tomar o controle de uma situação que parecia incontrolável.

Com a chegada de Shumy ao convés do navio, estavam todos ali.
Cada um segurando um envelope pardo, com seus nomes escritos e, certamente, com alguma informação confidencial sobre eles.
Cada uma daquelas pessoas escondia um segredo e Lukas não era diferente delas.
O mais engraçado (se não fosse tudo tão trágico) era como o destino pregava peças nas pessoas.
Olhou para o rosto de cada um deles ao mesmo tempo em que se perguntava onde os outros passageiro e toda a tripulação do navio haviam ido parar.

Uriel estava quieto e emburrado, apertando contra si o envelope pardo, como se sua vida dependesse disso.
Téca tinha uma tremenda cara de ressaca, mas mantinha um ar irônico no rosto, apesar do olhar perdido em direção ao mar.
Cíntia, que havia amanhecido ao seu lado na cama, estava concentrada, certamente raciocinando frenéticamente. Cíntia! Logo ela! Quem estava por trás de tudo isso, certamente tinha senso de humor!
Shumy havia se acomodado no círculo formado e olhava zombeteiro para todos, parecendo se divertir com toda a situação.
Rachel encarava Lukas com seriedade e ansiedade. Na rápida conversa que tiveram no quarto dela horas antes ela havia se mostrado uma pessoa muito prática e objetiva.
E Cláudio Vila Nova parecia analisar a situação, já pensando em como escrever uma reportagem sobre aquela viagem maluca.

-Mas e agora, meu caro? Será que vamos continuar guardando nossos segredos ou vamos juntos tentar sair dessa situação maluca em que estamos? –perguntou Vila Nova.

******************

Algumas Horas Antes...

-Agora você vai me explicar o que está acontecendo! –disse Vila Nova para Lukas, logo após terem voltado da cabine onde o segundo havia visto um casal, Sonia e Paulo, supostamente serem assassinados.
Lukas pensou rápido e resolveu que tudo fazia parte das instruções que recebera. Mas eles tinham de ser tão genéricos e superficiais?
-Foi o que eu disse! Vi um casal sendo assassinado na hora da queima de fogos! Você pode me considerar um louco ou o que desejar, mas o que posso fazer? Se bem que acho que exagerei demais nos drinks. Não vai vestir sua fantasia de Dom Quixote para aproveitar o resto da noite? –tentou brincar Lukas.
-Um cidadão entra na minha cabine, diz que houve um assassinato durante o cruzeiro e ainda faz troça da minha cara! Eu devo ter cara de bobo mesmo!
-Que nada! A propósito, tenho um recado pra você! Sabe a loira fenomenal, Isadora? Ela pediu para informá-lo que você deve seguir todas as regras, TODAS, ela frisou. Ou senão o Fred e a tia Loreta podem ter problemas e ficar decepcionados com uma certa história que pode vir à tona. Não entendi muito bem, mas ela disse que você entenderia... Gente doida a desse navio, não?
–disse Lukas, saindo para o corredor e deixando Vila Nova com cara de quem tinha levado um tapa.

No corredor das cabines, imediatamente seu celular tocou:

-Muito bem, meu caro, muito bem! –era ‘Stranger’ do outro lado da linha, pela primeira vez em muito tempo. –Você está entendendo o nosso jogo. Agora faça um pouco de hora em sua cabine, livre-se de suas duas fantasias, tanto a de presidiário quanto a de Don Juan e volte à cabine ao lado da de Vila Nova. Temos uma surpresinha lá para você.

Lukas nem teve tempo de falar nada, já que o telefone foi desligado.
Mas o que poderia fazer?
Aquela noite havia sido uma loucura mesmo. Um tal de trocar de fantasia, de manter-se escondido, de dar instruções, de presenciar um possível assassinato!
O que ele não fazia por dinheiro! Será que ele seria prejudicado por tudo isso?
Ele não tinha culpa, aliás, nem sabia de nada.
Fez o orientado, vestiu um jeans, uma camiseta branca, colocou um boné e se dirigiu à cabine ao lado da de Vila Nova.
Entrou e quase caiu para trás.
Sentada, analisando as páginas de um dossiê, lá estava a moça gótica fantasiada de fada.
Já havia visto fotos de longe e a observado na festa, mas agora, dentro de um mesmo cômodo, deu-se conta de que era ELA!

-Você!!! Cíntia é VOCÊ!?!?!?! –Lukas mandou à queima roupa, atraindo a atenção da moça, que se assustou ao vê-lo!
-Lukas Bittencourt!!! O fdp do Lukas Bittencourt nesse navio!!! Que humor negro o dessas pessoas! –disse Cíntia.
-Agora o fdp sou eu, sua maldita? Onde você se enfiou esse tempo todo? E desde quando seu nome é Cíntia Ventura, sua pilantrazinha?
-Desde que eu nasci, querido! Ou acha que Angélica era realmente meu nome? Tão inocente o rapazinho... Angélica vem de ‘Angel’, o nick que usava quando te conheci. Achei mais prático! E quem é você pra me cobrar alguma coisa? Só descobri que seu nome era Lukas por acaso! Vai pro inferno, desgraçado!


A discussão foi interrompida por uma mensagem chegando no celular de Lukas.

-Linda, continuamos essa conversa na minha cabine! Precisamos mesmo conversar e acho que isso faz parte do interesse de quem está por trás de tudo nesse cruzeiro. Sei que a senhorita é um anjo de candura e está aqui só a passeio, como eu. Mas não custa nada conversarmos, não é mesmo? –disse Lukas.
-Mas se você está achando que ainda vou perder meu tem...
-Cabine 20, ao final do corredor. A porta está aberta. Tenho de resolver algo urgente. Me encontre lá!
–cortou Lukas e saiu para o corredor.

A mensagem de Rachel chegou em boa hora!
Ele precisava pensar antes desse confronto com Angélica (ou Cíntia, nem sabia mais!).
Não ligou. Foi direto ao quarto de Rachel. Ela sorriu ao abrir a porta e o convidou a entrar.

******************
Depois da conversa com Rachel, Lukas estava disposto a entender tudo aquilo.
TUDO mesmo!
O que poderiam fazer? Matá-lo?
Chegou ao seu quarto e encontrou Cíntia na espera.
-Vi que tem um envelope pra você também, bem parecido com o meu... O que esse povo quer, Lukas? –perguntou Cíntia.
-Eu gostaria de saber, eu gostaria muito de saber... Deixa eu abrir essa porcaria e ver que bomba me aguarda!

Leu atentamente tudo e não se conteve!

-Filhos da Puta! Como eles sabem dessas coisas??? –disse para si mesmo em voz alta.
-Eu também gostaria de saber, meu caro, como gostaria. Você não tem idéia do que diz o MEU dossiê! –disse Cíntia –Mas e agora, podemos conversar e tentar esclarecer tudo?
-Claro... Mas antes eu preciso de uma bebida... Preciso urgentemente!
–Lukas encheou dois copos, serviu Cíntia e brindaram.
-Ao nosso reencontro, né? Já que não tem jeito!
Beberam de um gole e então tudo ficou preto.

******************

Ao despertar, o dia já amanhecera e Cíntia permanecia ao seu lado.
Acordou a ‘amiga’ e saíram para o corredor.
O navio estava completamente vazio, sem tripulação, passageiros, ninguém!
Somente os dois.
Foram caminhando até o convés e lá encontraram 7 cadeiras dispostas em forma de círculo.
Sem entender nada, sentaram-se e ficaram em silêncio, avaliando tudo aquilo.

-Que porra é essa??? –berrou Lukas para o céu!

E então, um a um, os outros ocupantes daquelas 7 cadeiras foram aparecendo, todos com caras de sono e também sem entender absolutamente nada.
Era hora de montar o quebra cabeça.
Com a chegada de Shumy ao convés estavam todos ali.
E a frase de Vila Nova veio bem a calhar:

-Mas e agora, meu caro? Será que vamos continuar guardando nossos segredos ou vamos juntos tentar sair dessa situação maluca em que estamos?

Era hora de tomar uma decisão.

-Acho melhor nos apresentarmos oficialmente pra tentarmos entender porque só sobramos nós.

Todos se olharam desconfiados.
Agora era a hora de juntar os fios, mas cada um sabia o que podia e o que não podia ser dito.
Todos tinham segredos que era melhor permanecerem enterrados.

Ressaca

Luiz acordou com a sensação de ter sido esmagado por um trator. Sentiu uma agulhada na cabeça que o fez encolher na cama. Não lembrava de ter bebido tanto, o uísque devia ser batizado para causar esse efeito tamborim, nem na época de loucura na faculdade havia sentido algo parecido.

As lembranças da noite anterior eram vagas e disformes nada fazia sentido. Lembrou de Isadora anunciando uma queima de fogos no meio da madrugada, que por falha técnica acabaram estourando antes da hora, causando susto em algumas pessoas, teve um casal que saiu correndo pelo salão.
A mulher vestida de dançarina de cabaré com o sorriso cínico estampado no rosto, dizendo que o conhecia, fez com que se afastasse rapidamente, antes que pudesse ser reconhecido.
Sim, teve também a mulher vestida de fada dentro da cabine segurando um copo no ar, pensou que fosse xingar quando o viu espiando pela fresta da porta, mas não, ela caminhou até a porta e se apresentou, lembra de terem conversado um pouco, embora não recordasse do assunto.
Um homem vestido de preso quase o derrubou escada abaixo, parecia um zumbi, devia estar bêbado ou completamente drogado.

O mais estranho de tudo era não ser lembrar de ter voltado para a cabine. Pelo visto não teve companhia de nenhuma mulher. Estava começando a se arrepender de ter aceitado fazer o cruzeiro.

Olhou para o lado e viu o envelope pardo, no mesmo lugar que havia deixado na noite anterior. Quem teria entregado?
Não conseguia imaginar ninguém que pudesse ter acesso àquelas fotos, todos que participaram do projeto foram bem recompensados e informados de que jamais deveriam mencionar o assunto novamente. Não seriam loucos de enfrentar aquelas pessoas, todos tiveram provas suficientes de que eram capazes de tudo para manter o bom andamento dos negócios e quem enviou o envelope também.

Teria que agir friamente se quisesse sair vivo dessa história, descobrir logo o que lhe havia sido solicitado era primordial, mas sem acesso ao material necessário tudo ficaria mais difícil.

Levantou vagarosamente, seu corpo parecia mais pesado do que chumbo, colocou o envelope e a mini-câmera, juntamente com os demais conteúdos do envelope no fundo do guarda roupa.

Enfiou a cabeça debaixo do chuveiro esperando a ressaca desaparecer, trocou de roupa e saiu em busca de um café extra-forte.

Ao terminar de subir a escada do deck superior, percebeu que o sol estava alto, teria sorte se ainda estivessem servindo o almoço.

Por incrivel que pareça não ficou surpreso ao olhar em redor do deck, encontrar rostos conhecidos e completamente atônitos, teve mesmo que conter a gargalhada.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

O fio do destino

Sentia-se insatisfeita e perturbada. No afã de descobrir os mistérios do cruzeiro, Maccioti metera os pés pelas mãos.

Estava no terceiro copo de uísque, sua cabeça girava, nervosa ela abriu o envelope não sem antes ver um número de celular anotado no verso, acreditava ser o número de Lukas.

Rachel Maccioti, mais uma vez seja bem-vinda ao cruzeiro! Aproveite, saia da monotonia, mas siga todas as regras, indiscutivelmente.
Regra número 1: Aproxime-se de um velho conhecido seu e de Ranald Armond: Uriel. Não deixe que ele faça besteiras, seja sua sombra, mas não permita que ele saiba que você o conhece.
Regra número 2: Seu laptop será requisitado por nossa equipe, não use-o, até que receba instruções para isso. O Dom Juan vai lhe procurar novamente para orientá-la.
Curta o baile a fantasia. A noite ainda lhe reserva muitas emoções!


O que Rachel, uma secretária executiva, e seu patrão, o famoso investidor internacional no setor de softwares, Ranald Armond, teriam a ver com o cruzeiro? E com Uriel? Uriel... Uriel, esse nome não lhe era estranho...
De repente, alguns detalhes de documentos sigilosos do seu trabalho lhe vieram à mente... um dos relatórios a que teve acesso dizia algo assim:

“O Web Security Armonds foi bem sucedido em identificar e impedir novos esquemas ostensivos, inclusive um novo tipo de ataque de "Gatress-ware", no qual dinheiro foi extorquido de usuários de modo a desbloquear arquivos mantidos seqüestrados pelo ciber criminoso...”

Claro!!! Como não se lembrara antes? Uriel!!!

Ainda sob efeito do álcool e com tantas peças do quebra-cabeça sem destino certo, Rachel mirava o relógio do bar que marcava 23:45... quando notou que alguém a olhava, era um hóspede vestido de presidiário, algo nos olhos dele lhe chamou atenção, desviou o olhar e viu que o Dom Juan se aproximava, seu coração gelou, batendo descompassadamente. Não! De novo, não! Chega de emoções por essa noite!

Pensou em se afastar, mas desistiu quando notou que os olhos daquele Dom Juan eram azuis. Estava embriagada, mas não perdera ainda a noção da realidade.

O homem se apresentou. Rachel imediatamente lembrou-se dele. De fato, o conhecia. Do trabalho. De alguns meses atrás... Tentou seguir as orientações da mensagem. Seria prudente não ser reconhecida por Uriel.

Conversaram amenidades por algum tempo até que Uriel começou a agir inesperadamente, agarrou-a e subiram as escadas, como se a protegesse. Na correria, ouvira vozes, o grito de uma mulher e surpreendeu-se ao ver o Dom Juan de olhos verdes, (ela jurava tê-lo visto, momentos antes, vestido de presidiário, observando-a no bar... como trocara de roupa tão rápido!?) muito assustado arrastando-se pela parede e entrando numa cabine, deixando a rosa vermelha caída no corredor.

Um liquidificador em alta rotação. Era assim que estava a cabeça de Rachel quando sentou-se e comprovou definitivamente que conhecia Uriel, vendo-o sem máscara.

Assustado com tudo que vinha acontecendo, metera os pés pelas mãos. Denunciara-se. Olhando nos olhos azuis e com um sorriso sedutor nos lábios, respondeu:

- Do bar. – Uriel não podia saber jamais. - Você se apresentou, lembra-se?

O olhar de Uriel revirou-se, ele parecia não entender nada. Ótimo! Aproveitando-se disso, Rachel levantou-se, aproximou-se dele, passou a mão por seus cabelos revoltos, olhou-o de forma profunda e o beijou apaixonadamente. Em seguida, saiu dali sem olhar para trás.

Caminhando para sua cabine, Rachel teve ímpetos de voltar atrás e desabafar com Uriel, mas ela não sabia se podia confiar nele. Estava armado e parecia disposto a usar a arma caso precisasse e, mesmo vestido em traje de gala, não poderia esquecer sua origem... como o conhecera. O destino realmente era brincalhão. Colocou ambos juntos de novo. Por que?

Acomodada em sua cama, depois de um banho relaxante, Maccioti não sabia se tudo aquilo era uma louca realidade, um pesadelo ou se sua vida realmente não tinha emoção alguma antes daquele cruzeiro.

A campainha do celular lhe tira dos devaneios. 12 chamadas não atendidas. No visor, o nome Henrique lhe aquece o coração. Uma mensagem:

Rachel, lembra-se de mim? Nos conhecemos no bate papo. Tentei falar contigo algumas vezes, você não me atende. Quero muito conhecê-la. Tive que viajar, mas te ligo assim que voltar! Beijos! Henrique

Feliz, respondeu a mensagem, avisando Henrique que também viajara, estava num cruzeiro e que aguardava ansiosamente para vê-lo. Logo depois, viu o envelope com o telefone de Lukas...

“Lukas, vi você no corredor dos camarotes. Me ligue. Precisamos conversar. Rachel”

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Uma Chave?

Uriel tentou lembrar várias vezes, passo a passo, o que poderia ter dado errado na sua operação. Seria impossível alguém descobrir, os códigos eram em sua maior parte seus, o vírus poderoso destruiria todos os registros e portanto, quem o levou para um cruzeiro, sabia de seu golpe, e – pior – tinha o mais absoluto controle da situação.
Resolveu obedecer à misteriosa voz no celular.
Ele sabia que estava lidando com profissionais, o luxo do camarote, um celular via-satélite bloqueado para ligações, o modo como entrara, a arma... resolveu obedecer, despiu-se completamente e foi até o banheiro, onde sentou-se em uma banheira de água morna. Sentia a água correr pelo corpo atlético, relaxando seus músculos, mas não sua mente. Após alguns minutos, levantou-se. Ao sair do banho, uma surpresa: Uma maleta cromada Lui Vitton aparecera, ao lado de uma outra fantasia, a fantasia de presidiário havia sumido como por encanto, e uma outra fantasia esperava-o na cama. Correu em direção à porta, que voltara a estar trancada, agora podia ouvir música ao longe, distinguia vozes e sons de festa.
Abriu a maleta e descobriu roupas de grife, camisas de grifes famosas, perfumes franceses. Um vestiário caríssimo, sapatos italianos. Sua roupa antiga havia sumido. Estava nu.
As roupas eram exatamente de seu número, meias, cuecas, perfume, tudo de qualidade superior. Fosse quem fosse queria Uriel bem arrumado. No fundo da mala, algo emitia um brilho prateado. Um laptop, com placa de modem. O que significava tudo aquilo?
Ligou o laptop. Ao ligar a tela azul apareceu, nela, não um sistema operacional.

“Gostou dos presentes, Uriel? Mas ainda não é Natal... portanto você não terá acesso à Internet até que eu determine. Seu dinheiro está em sua conta, e não me interessa nem um pouco. Você me interessa. Siga as regras e você viverá milionário. Descumpra alguma delas e você morre. Minha ordem é: Aproveite o cruzeiro! Vá à festa, e não comente com ninguém sobre isso. Creia... eu saberei...”

Com raiva, desligou o laptop. Dentro da mala, peças que conhecia bem, placas de modem, ferramentas, chips e placas de circuitos impressos, misturadores de freqüências e um bloqueador de celulares. Quem estivesse por trás disso realmente queria sigilo. Trancou o armário com chave e guardou-a.
Sem pensar muito, vestiu a fantasia que substituiu a de presidiário, escondeu a arma na calça e preparou-se.

Subitamente ouviu um clic e a porta destrancou. Oito Horas, hora da festa. Colocou a bandana preta que cobria a parte superior de seu rosto e saiu do camarote.
Ele mal podia acreditar: um navio lindo, cheio de pessoas ricas e elegantes, marinheiros de branco impecável, casais dançando, mulheres lindas e exuberantes em fantasias coloridas. Notou que não havia botes à vista, e que o navio estava em alto-mar.

Não havia como escapar. Ao menos agora. Pareciam pessoas normais, mas Uriel pressentia o que viria a seguir... uma sensação incômoda, mas não havia como fugir. Seus olhos percorreram o salão, observando. Com as mãos nos bolsos, apertava a arma. Alguém estava ali, sabia que Uriel era milionário, e provavelmente queria algo em troca do silêncio. Mas teria de resolver isso mais tarde.

Observou as mulheres, e uma delas, fantasiada de fada, olhava-o com curiosidade. Desviou o olhar dela e desceu até o deck do bar.

Olhou mais uma vez para o salão, e viu uma mulher linda, cabelos à la Marilyn Monroe, pernas bem torneadas, sentada próximo ao balcão, meio distraída. Seus longos dedos brincavam com um copo de whisky. Sua beleza era clássica. Parecia pensativa.
De longe, fitou-a demoradamente. Onde a teria visto? Achou que já a conhecera antes, mas não conseguia saber de onde. Resolveu aproximar-se do balcão, pediu uma bebida. e cumprimentou-a polidamente. Uriel sabia que seu corpo atlético e seus olhos azuis lhe conferiam um alto grau de sedução. Ainda não entendera porque a fantasia de presidiário fora trocada, pois a nova fantasia deixava parte de seu peito à mostra, e era bem mais sensual. Não era todo dia que se fantasiava de Don Juan com rosa vermelha e tudo. Percebia um certo nervosismo na mulher linda.
Estendeu-lhe a mão forte.

_ Boa noite! Eu sou Uriel.... posso lhe fazer companhia.
_ Boa noite... Rachel Macciotti...

No meio da festa, uma correria, e Uriel assustou-se com os barulhos de tiros. Várias pessoas se jogaram no chão, sem pensar, sacou sua arma, e deitou-se sobre Rachel. Não sabia porque protegia aquela mulher, mas seu instinto foi tira-la dali. No meio da confusão, observou com enorme surpresa, que alguém vestia a fantasia de presidiário.
Com cuidado, aproveitando a rapidez e a correria, levantou-se, puxando Rachel, subiu as escadas na direção de seu camarote, guardou rapidamente a rama no bolso. Rachel tremia, assustada com a gritaria. Correram pelo deck oposto ao da gritaria e do som dos tiros até o camarote de onde saíra. Uma vez lá dentro, sentou Rachel, colocou a arma na cintura, e arrancou a máscara de Don Juan

_ Você está bem?!
_ Estou, estou... mas quem é vc?
_ Não importa agora, precisamos sair daqui.
_ Porque? O que está acontecendo?
_ Talvez você possa me dizer...
_ Porque eu?! Eu nem sei como vim parar aqui, não sei quem são vocês...
_ Então VOCÊ é Uriel!
_ De onde te conheço?

Rachel olhava enigmaticamente para aqueles olhos azuis.Ela poderia ser a chave, a chave de muitas respostas... ou a chave da saída!

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Os pacotes

Enquanto observava as ondas baterem no casco do navio, acontecia uma festa, mas Cíntia estava um alheia a isso. Pensava nos acontecimentos dos últimos dias... uma série de problemas financeiros, sonhos arruinados, este novo plano tinha que dar certo. Trabalhava como webdesigner mas tinha conhecimentos em eletrônica e programação.

Certa vez um cracker pediu ajuda para desenvolver um vírus para invadir o sistema de um banco. Cíntia o ajudou, sabia que isso era errado, então como boa hacker, compartilhou informações... antes de compilar o programa final, incluiu algumas linhas de comando que permitiam rastrear o dinheiro. Iria denunciar aquele hacker às autoridades e cobrar uma recompensa por isso... caso não houvesse recompensa, sabia o banco e a conta onde o dinheiro está e se aproveitaria disso.

Gostava de se denominar hacker e fazia questão de se diferenciar dos crackers.

Agora estava lá, num cruzeiro, sem acesso à rede... era bom mesmo sair um pouco de circulação para que ninguém desconfiasse dela... Aquela fantasia de fada viera a calhar muito bem, estava meiga, delicada, parecendo um ser inofensivo. Chegava a ser irônico.

Lembrava-se de encontrar dois pacotes que em seu quarto no navio. Havia um envelope em cima com algumas instruções: O primeiro pacote continha sua fantasia, já o segundo, um pacote menor, deveria ser aberto somente no dia seguinte. Sabia que era algo a ser consertado pois ao lado, havia uma caixa de ferramentas. Quem quer que fosse a pessoa a deixar estas instruções, sabia das habilidades de Cíntia.

Perdida em seus devaneios, uma mulher esbarra nela, e apresenta-se como Téca... Cíntia tenta ser simpática com a moça, mas não consegue se concentrar muito na conversa, pois estava com os pensamentos em outro lugar. Aquele pacote não saía de sua cabeça... o que seria? A curiosidade falou mais alto e, aproveitando a distração de todos com os fogos, foi ao seu quarto e abriu o segundo pacote - era um notebook, visivelmente danificado, mas que com alguma paciência poderia ter seus dados restaurados...

Sabia que deveria manter isto em segredo, então trancou o notebook e as ferramentas no cofre de sua cabine e, ao sair, encontrou a loira Isadora no corredor que, discretamente, acenou com a cabeça para uma das cabines. Cíntia entendeu o recado, acenou com a cabeça indicando que faria como planejado e entrou na cabine ao lado. Com a ajuda de um copo de vidro, podia ouvir a conversa de dois homens. O clima parecia estar tenso naquele lugar. Então fez-se silêncio... foi aí que percebeu que havia deixado a porta da cabine aberta. Ainda sem olhar para trás, percebeu que alguém a observava da porta.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Em alto mar...

Seu primeiro contato com as pessoas do navio foi no início da festa a fantasia. Enquanto caminhava pelo salão, com uma água com gás na mão, passou por um espelho e não resistiu; voltou para se olhar e com o famoso risinho cínico pensou:

- Não poderia ter escolhido fantasia melhor...me sinto irresistivelmente sedutora (passando a língua nos lábios)! - E ao mesmo tempo que se olhava, notou pelo espelho, um belo homem vestido de Don Juan, um pouco afastado dela, e gostou do que viu...

Depois de ajeitar sua roupa, foi em direção ao bar. Distraída, esbarrou em uma moça vestida de fada e derrubou sua bebida.

- Mil desculpas! - disse Téca. - Faço questão de pagar outra bebida para você.

- Imagina, não precisa, respondeu a “moça fada” meio sem graça.

- Garçom! Por favor, reponha a bebida desta moça e aproveite pra me trazer uma tequila ouro. -
E muito invasiva, Téca já foi logo estendendo a mão para a moça e dizendo:

- Muito prazer, meu nome é Téca e o seu?

- Prazer, o meu é Cíntia. Adorei a sua fantasia, você quem escolheu ou foi o pessoal do navio?

- Eu mesma escolhi. Passei numa loja antes de vir. A sua também é bonita, gosto muito do lilás e suas nuances, e combinou contigo que parece mesmo uma fada.

Cíntia sorriu agradecendo e perguntou:

- Então Téca, como veio parar aqui? Você também foi contemplada com esse maravilhoso cruzeiro???

E Téca de repente se deu conta que algo estava errado com ela. Ou seria com as pessoas daquele navio? Flashes começaram a vir em sua cabeça e naquele momento a única coisa que tinha certeza, era que não poderia responder a Cíntia como ela havia parado ali. E pra disfarçar, disse que ia ao toalette e voltaria em breve.

Mas não foi...Téca tomou a tequila num gole só e saiu apressadamente em direção ao deck. Precisava respirar um pouco, estava com uma terrível dor de cabeça. Do local onde escolheu pra sentar, conseguia ter uma ampla visão do salão, e dos fantasiados que ali circulavam. Só que o que mais a atormentava naquele momento era não conseguir lembrar de quase nada da noite anterior.

E aquela música de fundo dentro de sua cabine, a mesma da Janis, que tocava quando ela recebeu o convite pra viagem? As mensagens no pager, de 15 em 15 min passando orientações do que ela podia e não podia fazer? Detestou uma das mensagens que recebeu, onde estava escrito:

Se você for tão boa no que vou precisar quanto é com um copo de bebida, vou adorar!!!

Quanta pretensão dessa pessoa!!! Seria um homem ou uma mulher? E pensando alto falou:

- Mas que merda!!! Putz, sou mesmo um pára raio de confusões.

E de novo com seus pensamentos sentiu um certo medo quando lembrou da última mensagem:
­
Suas malas estão dentro do armário, assim como seu material de artesanato. E dentro de sua frasqueira, embrulhado em veludo vermelho, um presentinho pra você! Guarde este presente com muito cuidado e na hora certa saberá o que fazer com ele.

Um vidrinho lindo, e dentro dele um líquido incolor e inodoro. Só podia ser veneno!!! E para quê?

Completamente confusa, decidiu não pensar mais nisso, pelo menos por enquanto. Afinal, tinha um baile a sua espera... Correu os olhos pelo salão e se deparou com o tal Don Juan!!!

Rapidamente pegou um guardanapo, beijou-o marcando de batom, dobrou e quando levantou pra ir em sua direção, viu que ele estava saindo do baile e indo em direção as cabines. Não podia perdê-lo de vista. Saiu correndo pelo meio do salão e ao passar por um dos corredores que dava acesso as cabines, esbarrou fortemente num homem e deixou o guardanapo cair.

Quando abaixou para pegar, o homem já estava levantando e com o guardanapo na mão. Ao entregar o guardanapo a Téca disse:

- Eu posso saber onde uma jovem tão bonita vai assim com tanta pressa???

Téca já com as mãos em cima da dele pra pegar o guardanapo, reparou o qto ele era charmoso, e num gesto brusco, como se tivesse visto um fantasma respondeu:

- Pressa eu? Engano seu, afinal pra onde eu iria já que estamos em alto mar? A propósito Sr...Sr... - distraiu-se qdo viu o Don Juan no alto das escadas, e antes que ele pudesse sumir, ainda deu uma piscadinha pra ela.

- Luiz Shumy, prazer. Mas me chame só de Shumy.

- Como eu estava dizendo, a propósito Sr. Shumy, tenho a nítida impressão de que o conheço de algum lugar...

Foi quando um barulho estrondoso de fogos a distraiu, e ao virar novamente, o tal Sr. Shumy não estava mais, e pior, havia levado o guardanapo com ele...

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A bordo

Naquela noite, Vila Nova foi se deitar ao som do convite inesperado: Um cruzeiro ao lado da ex-namorada. Ficou verdadeiramente intrigado com a situação. Afinal, quando os dois haviam terminado o relacionamento, Lúcia afirmou que nunca mais desejaria vê-lo, ainda que fosse coberto de ouro.

“O que a fez mudar de idéia assim, depois de tanto tempo”? E por que convida-lo para esse cruzeiro? Depois de muito pensar e não achar uma resposta convincente, resolveu descer para tomar um copo d’água e viu que a tia, só para variar, dormia ao pé do rádio. Ao seu lado, também dormindo, seu poodle, Frederico Hermmann, ou simplesmente Fred, como ela o chamava. Acordou a tia, foi à cozinha e voltou para o quarto.

Na manhã seguinte, depois de uma noite praticamente em claro, decidiu acertar alguns detalhes de um determinado assunto que reclamava a sua atenção. Assim, ligou para um velho amigo, mas a gravação do outro lado da linha avisou que o número pretendido encontrava-se desligado ou fora da área de serviço.

À tarde, um número desconhecido apareceu no visor do seu aparelho. Atendeu a chamada, imaginando ser outra ameaça. Ledo engano. Uma voz feminina se fez ouvir:

- Sr. Cláudio Vila Nova?
- Sim, sou eu.
- O seu nome está relacionado em nosso cruzeiro, como acompanhante. O senhor confirma o embarque programado para amanhã, à tarde?

Lembrou-se que Lúcia havia pedido o número do seu celular, por isso não estranhou o telefonema. E porque daria tempo de resolver o assunto pendente, decidiu aceitar.

- À noite, acontecerá uma festa à fantasia. Não se preocupe com o traje, estamos providenciando tudo. Gostaria, apenas, de acertar alguns detalhes.

Na tarde do dia seguinte, um carro o aguardava na porta da sua casa. Despediu-se da tia, que o acompanhou até o veículo, encarando o motorista. Sentado no banco de trás, rumou para a marina, sentindo um odor estranho, algo parecido com éter.

Ao chegar, tentou novamente falar com o tal velho amigo, já que todas as suas tentativas restaram infrutíferas. Desta vez, ouviu o som característico da chamada aguardando para ser atendida, contudo não obteve êxito. Enquanto descia do carro, pegava sua bagagem e se dirigia para o navio, uma mulher loira, incrivelmente deslumbrante, o interceptou. Ao ouvir sua voz, Cláudio constatou que era a mesma pessoa que havia ligado no dia anterior.

- Por favor, por aqui. Subiram alguns degraus e pararam ao lado de um homem, que, segundo Vila Nova percebeu, conferia bagagens, consultava listas e recolhia celulares. Tudo com muito profissionalismo e extremada educação, sem causar qualquer inconveniente aos passageiros. Antes que entregasse o seu aparelho, conseguiu a ligação que tanto desejava. Desta forma, pediu alguns minutos e se afastou. Assim que terminou, entregou o celular. Tudo ali era organizado demais para que pudesse estranhar tal procedimento. Além disso, desconfiava que não haveria sinal em alto-mar.

- E a srta. Lúcia Camargo? Já se encontra a bordo? Perguntou.
- Perfeitamente, senhor. Entretanto, não tenho comigo o número da sua cabine.
- Sr. Vila Nova. Disse a loira. – Tenho aqui um bilhete da Srta. Camargo.

No bilhete, Lúcia dizia que estava envolvida pelo clima romântico e misterioso do cruzeiro e que os dois se encontrariam no baile à fantasia, por isso pediu que não lhe fosse passado o número da sua cabine. Vila Nova não sabia se achava aquilo tudo muito ridículo ou se embarcava de vez na aventura. Decidiu ficar com a última opção.

A loira, que disse se chamar Isadora, levou-o ao seu quarto. Durante o trajeto, percebeu que havia um numero incontável de pessoas a bordo. Uma estrutura fenomenal, com serviços impecáveis de atendimento. Se a razão de todo aquele luxo era impressionar os passageiros, eles haviam conseguido.

O jornalista recebeu algumas instruções, um cartão magnético para compras e acessos aos compartimentos do navio e foi avisado que, dentro de três horas, alguém apareceria, trazendo sua fantasia. Pensou em dar algumas voltas, para conhecer melhor o local, mas não estava se sentindo muito bem. Um torpor tomava conta do seu corpo. Decidiu, então, deitar-se. Já que era para ser clima de romance, deixaria o passeio para depois, ao lado da ex-namorada. Afinal de contas, não estaria ali se não fosse o seu convite.

Quando acordou, já passava da meia-noite. Estranhou muito o fato de ter dormido daquela maneira, mas creditou o sono a três fatores: o cansaço dos últimos dias, a rasteira que havia recebido do jornal e, óbvio, a noite mal dormida. Notou que sua fantasia não se encontrava no quarto. Imaginou que, como estava dormindo, não quiseram incomodá-lo. Pegou o telefone e uma voz masculina prometeu que dentro de vinte minutos o traje seria entregue.

Desligou o telefone, lembrou-se de Lúcia, que, possivelmente, aguardava-o, na festa. Levantou-se, abriu a porta para ver o rumo a tomar depois que estivesse pronto, notando que não havia uma viv’alma no corredor. E porque tudo parecia silencioso, voltou para a cama, deixando a porta aberta.

Pegou um livro sobre o criado-mudo, folheando as páginas. Achou curioso o que estava destacado à caneta, na página 213. De repente, um homem, vestido de Dom Juan, entrou como louco em seu quarto, dizendo algo sobre grito, tiros e gente morta.

O susto, de fato, foi grande. Tão grande, que Vila Nova não se deu conta de que o outro havia lhe tratado pelo nome. De imediato, reclamou da invasão, esperando uma resposta satisfatória, quando o celular que o homem trazia consigo tocou, causando estranheza ao jornalista, já que o seu fora recolhido. Assustado, o invasor tirou o aparelho do bolso e jogou-o sobre a cama. Movido pelo instinto investigativo e sem pensar duas vezes, Vila Nova decidiu atender a chamada.

- Alô?
- Onde está você? Disse uma voz, algo modificada eletronicamente.
- Quem está falando?

Um breve silêncio e a ligação caiu.

- Eu vou com você ao tal quarto. Falou Cláudio, visivelmente nervoso - Depois, eu quero algumas explicações.

O estranho conduziu o jornalista até à cabine onde ele afirmava ter visto os corpos. A porta estava parcialmente aberta. Entraram.

- Quem são vocês? Perguntou um senhor, enrolado em uma toalha. - Pelo visto, não são do serviço de bordo. O que fazem aqui?
- Perdoe-nos. Disse o jornalista. - Acho que nos enganamos de quarto.

Vila Nova, confuso com tudo aquilo, puxou o outro pelo braço, levando-o de volta até a sua cabine. Ao entrarem, notou que sua fantasia estava sobre a cama. Apesar daquela situação estranha, não conseguiu deixar de comentar, num tom de ironia:

- Que maravilha! Eu vou ao baile fantasiado de Dom Quixote... - Bom, agora somos nós dois. Completou o jornalista, exigindo que o Dom Juan disfarçado se sentasse numa cadeira, pegando outra para si, ficando exatamente de frente para ele.

- Agora, você vai me explicar o que está acontecendo.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Sangue!!!

Olhou a fantasia sobre a cama e achou graça.
Um Don Juan, com direito a rosa e tudo.
Quantas vezes o acusaram de Don Juan sedutor na vida?
Sua cabine era ampla e bem mobiliada, um espaço de primeira classe. Impossível não pensar em tudo o que o dinheiro podia comprar, desde o básico até certas excentricidades da vida que faziam um bem danado ao ego.
Ao chegar ao navio, havia sido cicceroneado por Isadora, a loira fenomenal que o acompanhou até sua cabine e lhe deu todas as instruções. Era bom ter contato com alguém de carne e osso que também estava a par de todo o esquema.
Isadora frisou que era pra ele seguir todas as instruções à risca, sem questionar, que tudo se encaixaria e faria sentido no final.
E deixou em suas mãos uma maleta prateada com alguns objetos, entre eles um celular e seis envelopes, cada um com um dossiê sobre seis pessoas específicas que estariam no mesmo cruzeiro. Seis pessoas que ele conhecia vagamente, devido à pesquisa que realizara anteriormente:

Luis Shummy
Uriel
Rachel Maccioti
Cláudio Vila Nova
Maria Teresa (Téca)
Cintia Ventura

Diversas fotos de cada um deles e um detalhamento de suas vidas.

-Legal! –pensou Lukas! –Garanto que eles tem um igualzinho com meu nome no envelope!

Concentrou-se especificamente em dois nomes, afinal, as instruções que tinha recebido inicialmente envolviam-nos.
Vestiu a fantasia, respirou fundo e saiu para a noite do navio.
A banda tocava e os passageiros bebiam, petiscavam e dançavam alegremente.
Nas sombras, sentiu o cheiro da maresia e ficou estrategicamente colocado onde pudesse observar a todos e conseguiu identificar alguns rostos.
A fada lilás e cheia de brilhos parecia deslocada no meio de tantos panos esvoaçantes. Cíntia! A menina quase gótica, de beleza inexplorada.
Conversando animadamente com Cíntia, que parecia aérea, uma mulher de sorriso cínico, colo volumoso, meia arrastão preta, sapatos altíssimos, uma calçola muito justa, peruca channel loira, luvas, plumas, chapéu de gangster e piteira: uma verdadeira dançarina de cabaré de filme de faroeste.

-Que mulher é essa Téca! –suspirou Lukas.

Mas deixou o suspiro de lado e se concentrou nos outros rostos.
Uriel parecia perdido, olhos arregalados. Com aquela fantasia de preso e movendo-se nas sombras, parecia um peixe fora d’água naquela festa.
Não reconheceu Luis Shummy nem Cláudio entre os passageiros, mas sorriu ao observar a Marlyn Monroe.

Rachel Maccioti, sua primeira missão dentro do navio.
Simples instruções: dar um susto, fingir portar arma, levá-la até a cabine do capitão, usar o celular, passar-lhe um envelope.
Seria somente isso.
Se ela não fosse tão sedutora e o olhasse com aquele ar de desejo.
Cumpriu quase tudo à risca, mas acrescentou um beijo à tarefa. Mal não havia de fazer. E certamente ainda teriam muito contato dentro daquele navio. Por que não incluir ‘diversão’ entre suas tarefas?
Queria saber o motivo de tanto mistério! Ficara tentado em ler as ‘instruções’ dadas a Rachel, mas Isadora havia sido enfática: NÃO ABRIR!
Enfim! Terminada sua primeira tarefa, concentrou-se em Rachel. O beijo a tinha desconcentrado. Era engraçado vê-la virando o copo de uísque.
Foi quando o celular tocou novamente!

-Alô! Quem terei de ameaçar agora? –ironizou Lukas!
-Engraçadinho como sempre! –era a voz de Isadora do outro lado. –Apenas mais uma instrução de última hora! Siga Uriel! E apenas faça um relatório depois sobre seu comportamento.
-Apenas isso? Vocês me pagam bem, faço o que mandarem!
–respondeu e desligou.

Uriel tinha acabado de subir as escadas, em direção aos camarotes e Lukas subiu atrás, não sem antes dar uma singela piscadela para Téca, que o observava não muito distante.
No andar superior, os camarotes.

-Putz! Será que o doido foi dormir? –pensou Lukas!

Foi quando ouviu uma discussão numa dos camarotes, com a porta semi-aberta.
Chegou mais perto e viu um casal acuado dentro do quarto.
O homem, por volta dos 40 anos, fantasiado de gari e com uma feição visível de enjôo.
A mulher, exuberante num vestido de cigana. Lembrava-se dela das fotos do dossiê de Luis Shummy. Sônia e Paulo, eram seus nomes, se não se enganava.
Parou para prestar atenção.
O casal discutia com uma terceira pessoa e de repente um estalo e ele viu o corpo do marido no chão, totalmente ensangüentado!
A mulher gritou e Lukas ficou sem ação. Não sabia se corria ou se entrava no camarote.
Então, outro tiro!
E Sônia caiu sobre o corpo do marido e o sangue inundou o chão do camarote!
Lukas perdeu a cor, arrastou-se pela parede e se enfiou na primeira cabine que encontrou aberta.
Acendeu a luz e deu de cara com o repórter Cláudio Vila Nova na cama, lendo um livro.
O jornalista sobressaltou-se:

-Quem é você? Por quê entra sem bater na cabine dos outros? Que cara é essa?

-Não ouviu os tiros, o grito? Mataram o casal! Sônia e Paulo! Eu vi! Estão mortos, Claudio, estão mortos!!! Eu não sabia que haveria mortes! Eu não sabia!!!

Nesse instante o celular tocou e Lukas o jogou em cima da cama, transtornado!
Claudio Vila Nova, por instinto, pegou o celular e atendeu:

-Alô?!?!

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Lua Cheia

Rachel tomou a água mineral sem gás, suspirou, e se dirigiu ao toalete para retocar a maquiagem. Olhou-se no espelhinho de bolsa, convexo, que mostrava seu rosto em miniatura... Nada mal! Olhos amendoados sob sobrancelhas grossas, depiladas e bem delineadas. Sobre os cabelos castanhos e ondulados, uma peruca loira amarelo-gema-de-ovo e a boca rubra como uma framboesa compunha o visual estilizado de Marlyn Monroe.

Ela estava linda, trajando um vestido longo rosa que deixava a mostra suas belíssimas costas e ombros. Rachel era morena clara, 1,70 de altura, cintura fina, corpo escultural e feições delicadas, traços estes herdados de sua ascendência italiana. Era de se admirar que com tantos atributos, ela ainda estivesse solteira.

A visão daquela mulher deslumbrante e irresistível que caminhava pelo convés do luxuoso navio era hipnotizadora, mas contrastava com o que ia pelo seu interior. Aparentemente serena, por dentro um misto de medo, nervosismo.

Ao atender aquele telefonema, ainda em seu quarto, Rachel nunca poderia imaginar que realmente aquele cruzeiro revolucionaria sua vida! Por que ela só se envolvia com homens ambíguos ou doentes?

Distraída, o vento primaveril esvoaçando os cachos loiros, lembrara-se do que acontecera antes, durante e depois de seu embarque no navio.

- Sim, sou eu, Rachel, quem fala?
- Sou Augusto, um dos organizadores do cruzeiro.
- a voz masculina retrucou impaciente - Detectamos a sua resposta ao nosso e-mail e informamos que o embarque, no caso da senhorita, se dará mais cedo. É de praxe para alguns convidados especiais. Seria possível para a senhorita embarcar esta noite?

Atônita, mas numa onda de empolgação que tomou conta da monotonia, Rachel concordou. Conversaram alguns minutos e tudo ficou acertado.

- Senhorita Rachel, uma limousine estará daqui a 2 horas, apanhando-a na portaria de seu prédio. Agradecemos pela presença e esperamos que você desfrute do cruzeiro. – após uma breve pausa - Não se esqueça de levar o que combinamos.

Levara apenas uma hora e meia avisando uma substituta para ocupar o seu lugar no escritório, colocar algumas roupas e objetos pessoais na mala, tomar um banho e lá estava Rachel, prontinha para o cruzeiro. Ansiosa e muito animada, nem estranhara o fato de seu chefe não criar impecilhos para aquela viagem, geralmente Ranald não gostava que ela se ausentasse do trabalho. Aquela seria uma chance incrível de sair da rotina, conhecer gente nova, respirar outros ares.

Ela não pensou duas vezes ao colocar o Lap Top na bagagem, não entendera muito bem, mas não questionou quanto a ser a única passageira a poder levar um. Segundo ele, ela passaria pelo check-in, sem qualquer problema e ainda receberia um adaptador e conexão para sua tomada.

Pontualmente, a limousine estava à sua espera. Muito bem acomodada, Rachel avisou sua mãe, que morava em outra cidade, sobre sua pequena viagem. Feliz e excitada com tudo que acontecia, fechou os olhos e deixou-se relaxar com a música ambiente que a envolvia enquanto o carro seguia para o litoral.

Já em sua cabine, no deck superior, decorada com muito bom gosto e com uma ampla janela panorâmica, Rachel deliciava-se com vista da cidade iluminada e uma taça de champagne que gentilmente tinha sido oferecida à hospede. Tomada de uma súbita sonolência, deixou seu corpo cair sob o sofá-cama.

Vultos escuros, palavras sem nexo e uma grande confusão tomou conta de seus sonhos. Suando frio e com grande temor, abriu os olhos, sentou-se na cama, coração batendo descompassado, sentindo arrepios pelo corpo, Rachel acendeu a luz, (não se lembrava de tê-la apagado) olhou em volta e procurou se acalmar. Havia sido apenas um pesadelo. Foi ao frigobar, tomou um copo de água e voltou para o sofá.

Tentou se lembrar do sonho em vão, então acomodou-se na cama, pensou em coisas agradáveis para esquecer aquele momento ruim, preferiu deixar a luz do abajur acesa e por fim, adormeceu.
De manhã, refeita da noite, Rachel aproveitou intensamente a piscina do navio, enquanto observava o embarque dos demais passageiros e o vai-e-vem da tripulação preparando tudo para a festa à fantasia. Por que será que ela tinha embarcado na noite anterior? Tal questionamento não a fizera perder o entusiasmo.

Passou a tarde no salão de beleza, e a noitinha já estava quase pronta. Não pode escolher sua fantasia, em sua cabine foi colocado o vestido rosa, luvas, jóias e a peruca loira. Tudo muito glamouroso, mas também muito misterioso... Ansiava por conhecer as pessoas com as quais conviveria nos próximos dias... até isso lhe parecia ser um segredo a ser desvendado.

Vagando por esses pensamentos, Rachel sentiu o ar lhe faltar e uma mão se desenhar sobre sua boca. Na cintura, o aço frio denunciava que alguém atentava contra sua vida.

- Calma, senhorita, muita calma! - a voz rouca e segura tentava tranqüilizar-lhe - Soltarei sua boca. Não grite e tudo ficará bem! Posso confiar em você? – a pergunta vinha acompanhada de uma leve pressão da arma nas costas seminuas.

Um aceno positivo era a resposta de Rachel que tentava manter o controle mesmo respirando pesadamente.

- Vamos caminhar normalmente pelo convés até a cabine do capitão, entendeu?
- Sim
- respondeu amedrontada, mas continuou caminhando como se nada acontecesse e como se aquele homem que lhe abraçava fosse um velho conhecido.

Na referida cabine, a porta foi trancada e ela acomodada em uma cadeira enquanto o homem vestido impecavelmente atendia o celular.

- Fiz tudo como combinamos. A moça está aqui comigo. – ao ouvir uma pergunta do outro lado da linha - Não, ela está bem! Não precisei usar a força!

Atenta à conversa, Rachel começou observar o que havia atrás da pequena máscara: olhos verdes emoldurados por sobrancelhas e boca bem desenhadas, o corpo atlético denunciava que aquele homem era dono de um invejável conjunto de pernas e braços. A pele bronzeada, as mãos firmes e os modos educados, apesar da situação, demonstravam que ele era alguém muito bem criado, sua figura perturbadora a envolvera, e uma rosa no bolso que ora ele deixava na boca, ora nas mãos, a enfeitiçara.

- Ok. Daqui a pouco, nos dirigiremos ao convés. Até logo. – fechou o celular e se dirigiu para a cadeira em que ela estava sentada.

- Rachel Maccioti, a fantasia caiu-lhe bem como uma pluma, está muito sedutora! – examinando-a dos pés à cabeça, o homem rodopiou e atrás da cadeira continuou falando-lhe ao ouvido - Preciso, digo, precisamos de um favor seu. Nesse papel, estão algumas instruções. Guarde-o e quando estiver em sua cabine, siga-as! Aja com inteligência, não fale do assunto com mais ninguém a não ser comigo e tudo dará certo. Muito simples, não? - um riso cínico invadiu o rosto dele, enquanto tirou uma caneta do paletó e anotou algo no papel que entregou a Rachel.

- Posso saber o porquê de tud... - a pergunta de Rachel foi calada por um beijo.
- Não pode saber. Quanto menos souber, menos será envolvida. Vamos?

Segundos depois, os dois circulavam entre os demais hóspedes no convés. Advertida, mais uma vez, da importância de seguir as instruções, Rachel se viu sozinha. Sua cabeça rodava. Aproximou-se do bar, pediu um uísque, bebida com a qual, não estava acostumada. Tomou-a sem gelo, no estilo cowboy.

A música tocava, as pessoas circulavam felizes, enquanto a lua cheia iluminava o navio e aumentava ainda mais o ar de mistério que envolvia a noite, tudo parecia tranqüilo, os hóspedes normais, parecia que Rachel tinha tido apenas mais um pesadelo...

Ela não conseguia coordenar os pensamentos, mas o desconhecido havia cometido um erro. Ela vira o nome “Lukas” gravado na caneta.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Oito Horas

Uriel foi acordando, e o chão duro fora substituído por um colchão fofo e branco. Levantou a cabeça ainda tonta, e se achou em um quarto.

Levantou-se assustado. Não tinha a mínima idéia aonde estava. Um quarto bem decorado, uma escotilha na parede, o leve balanço, tentou a porta, mas estava trancada por fora. De repente um som o fez gelar. Um toque de celular. Meio incrédulo, ainda tonto, procurou o aparelho, na mesinha de cabeceira.

- Alô?
- Que bom que acordou Uriel! O novo milionário acordou!
- Quem está falando? Que lugar é esse?
- Pelo visto você ainda não percebeu, mas está em um barco. E um barco muito caro e bonito, como os que você vai poder comprar...
- QUERO SAIR DAQUI! QUEM ESTÁ FALANDO?!
- Calma, relaxe, você fará uma viagem. Às oito horas em ponto, a porta será aberta, e você poderá andar pelo barco, e até interagir com as pessoas. Há uma festa à fantasia, e você deverá ir, se quiser sair vivo e milionário deste barco. Caso tente sair, será uma pena. Não será perdoado, o cruzeiro é um prêmio. Nem por um só momento você poderá tentar deixar o barco. Se quiser sair vivo, seguirá minhas instruções...
- Quem está falando?
- Na hora certa você saberá... divirta-se na festa, e nem uma palavra sobre isso... senão alguns milhões ficarão órfãos...

A linha ficou muda, Uriel andou pelo quarto. Não havia deixado rastros, não havia errado, o dinheiro estaria em segurança. Deveria pagar uma pequena parte e conhecer um dos mais famosos hackers, para que pudesse viver sua nova vida. Começou a procurar pelo quarto, pelas gavetas, tentando achar uma pista. Foi quando abriu a porta de um armário que se assustou. Havia uma fantasia de presidiário, com um papel no bolso.

“Bem apropriado, não? Para um novo milionário, um presente. Olhe no bolso.”

Com as mãos tremendo, examinou a fantasia. O que achara, estava agora em suas mãos, refletindo a luz do abajur em seu brilho cromado. Em suas mãos reluzia uma pistola 765, cromada.

- O que está acontecendo?...

Os preparativos

As roupas coloridas dos passageiros contrastavam com o branco imaculado da tripulação, que realizava suas tarefas metodicamente. O rosto do capitão iluminava-se com o reflexo do sol batendo na água. Um grande sorriso de satisfação delineava-se em seu rosto. O mar estava calmo, seria uma viagem tranqüila.

Os demais funcionários do navio, com seus uniformes trabalhavam para proporcionar o maior conforto possível aos passageiros, garçons, faxineiros, vendedores, todos altamente treinados e prontos a servir. Realmente era um cruzeiro dos sonhos. A música ambiente tomava conta da embarcação e, misturada ao som do mar e a brisa soava única, leve, reconfortante.

Ninguém via, mas na cozinha do navio, um verdadeiro banquete já era preparado para a festa que aconteceria à noite. Tudo precisaria estar impecável e pronto na hora certa. As funcionárias da lavanderia terminavam de passar todas as roupas que haviam sido encomendadas pela empresa organizadora do cruzeiro e as acomodavam em embalagens devidamente identificadas com os números das cabines para que mais tarde as camareiras já deixassem tudo pronto para os hóspedes.

Enquanto isso os passageiros divertiam-se na piscina do deck superior, tomavam um belo banho de sol ou bebiam nos dois grandes bares instalados no convés. A única área à qual eles não tinham acesso ainda era ao grande salão de festas, onde a festa estava sendo preparada. O navio funcionava como um relógio, tudo metodicamente planejado e executado... nada poderia sair errado.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Vir à tona

- Sim – respondeu uma voz rouca e completamente fora do ar, no interfone.

- Sr. Luiz, tem um taxista aguardando o senhor, para ir até a Marina.

- Táxi? – levou alguns segundos para entender o que estava acontecendo – desço em 5 minutos.
Foi tempo suficiente para jogar algumas roupas na sacola de viagem, pertences pessoais, lavar o rosto e pegar uma maçã antes de sair correndo do apartamento.

O caminho até a marina foi tranqüilo – também quem iria perambular pela cidade àquelas horas da manhã? Só um maluco como ele ou aqueles coitados que vão trabalhar.

Em poucos minutos estava parado em frente ao navio. Uma visão digna de cartão postal tanto pela magnitude do navio, quanto pela visão esplendorosa da loira de corpo escultural ao seu lado, informando que iria acompanhá-lo até a cabine.

Realmente aquele cruzeiro prometia!

Ao chegar à cabine, ela passou um cartão magnético na porta e explicou:

- Esse cartão abre a sua cabine e todas as portas dos corredores do navio, permitirá que o senhor possa entrar nos salões e caso deseje comprar algo em uma de nossas lojas, poderá usar como cartão de crédito. Quando desembarcar será emitido uma fatura para pagamento em seu banco.

- Quanta tecnologia! Não corro o risco de ter meus dados clonados?

- Nosso navio está equipado com tecnologia de ponta. Temos câmeras de vigilância e pessoas treinadas para manter a privacidade e conforto de nossos passageiros. Por exemplo, esse controle remoto, permite controlar a luminosidade dentro de sua cabine, a temperatura do ambiente, ligar a TV, DVD e som. Também é possível programar o despertador e ajustar a temperatura da água de seu banho.

- E se o controle entrar em curto?

- Fique tranqüilo, temos tudo sob controle! – sorriu a mulher de pele luminosa – Partiremos em 20 minutos.

- Quando me convidaram para essa viagem, falaram algo sobre uma festa a fantasia, correto?

- Sim! A festa será no salão de festa do deck superior, iniciará a meia noite, mais tarde traremos sua fantasia.

- Ok! Só não traga nada com brilho e plumas. – disse com cara de cachorro que caiu da mudança, capaz de derreter o maior iceberg do planeta.

- Lembrarei de sua recomendação. Espero que aproveite a estadia e se necessitar de algo, me avise!

- Com certeza aproveitarei! – respondeu com um sorriso displicente.

Assim que a loira saiu da cabine, pensou na pressão dos últimos tempos e resolveu esquecer definitivamente todo aquele pesadelo. Lavou o rosto e caminhou até o convés, onde havia pessoas de todas as idades, algumas aparentemente sozinhas como ele, outras acompanhadas por um grupo. Ouviu uma voz conhecida, enquanto analisava o vai e vem dos rostos.

- Quem diria o tatu resolveu sair do buraco!

- Às vezes é preciso agir como as baleias, vir à tona respirar – sorriu abraçando a amiga – Sonia, que surpresa maravilhosa. Não me diga que também ganhou a Promoção Sete Mares?

- Não. Viemos a trabalho, um cliente do Paulo estará a bordo.

- Viemos? Sério? Você conseguiu tirar o Paulo da terra firme?

- Tirar eu tirei, só não sei se ele sairá da cabine – riu divertida com a cena do marido totalmente nauseado.

Estavam conversando animadamente quando foi anunciado no alto faltante que o navio estava de partida, em seguida o convés pareceu pequeno para tantas pessoas, o som da buzina ressoou com a brisa da manhã e a marina foi distanciando.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Chuva...

- Droga de chuva! - praguejou Cintia enquanto corria para debaixo da marquise de um prédio antigo. Olhou para o chão. Os sapatos estavam encharcados.

- Detesto chuva... Que falta faz um carro numa hora dessas...

A situação financeira não estava fácil, seu trabalho como freelancer não estava dando muito retorno. Quando começou a trabalhar como webdesigner, eram poucas as ferramentas que automatizavam os projetos, mas hoje em dia qualquer chimpanzé treinado era capaz de desenvolver uma página, sem estética nenhuma, é claro e por um preço muito mais acessível.

Precisava arrumar um emprego decente...

Já estava cansada, queria chegar logo em casa, tinha trabalho por fazer e como a chuva não diminuía, decidiu que era preferível pegar uma gripe a ficar sem comer, o trabalho não podia esperar. Resolveu sair na chuva mesmo.

Os pingos de água estavam gelados... No passado, antes de ter ficado sozinha no mundo, Cintia apreciaria essa sensação, como se estivesse tendo sua alma lavada, mas agora era como se o peso do mundo caísse sobre suas costas. Sentia falta de companhia... talvez por isso mergulhasse no trabalho esquecendo de viver sua vida.

Ao chegar em casa, pensou que deveria dar uma arrumada nas suas coisas, que estavam todas espalhadas pelo chão - um ser humano normal não gostaria de viver naquela bagunça, mas faltava-lhe vontade, iria deixar para depois. O importante é que seu computador continuava lá, no mesmo lugar de sempre, facilmente encontrado no meio daqueles montes de roupas pretas esparramadas pelo chão.

Foi ao banheiro, olhou-se no espelho, estava com a expressão cansada, a maquiagem borrada, os cabelos pintados de roxo caíam úmidos pelo rosto.

- Nossa, tô parecendo emo! Que horror!!!

Depois do banho, Cintia vestiu uma grande camiseta que usava como camisola e foi conferir seus e-mails. Um deles lhe chamou a atenção... era de um cliente que há muito tempo não lhe pedia mais nada. Seu rosto se iluminou. Esse cliente, pelo que lembrava, pagava muito bem pelos serviços prestados!

Abriu o e-mail, mas não era serviço... era um convite para um cruzeiro, com tudo pago! Cintia pensou um pouco, mas não muito. Não tinha nada a perder, o aluguel deste mês já não poderia ser pago mesmo, então que fosse viajar, assim pelo menos fugia um pouco dessa dura realidade.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Em busca do desconhecido...

Maria Teresa era uma mulher independente, 33 anos, solteira e tinha deixado para trás uma carreira de executiva, para trabalhar com o que lhe dava prazer: artesanato!

E para trás também preferiu deixar o nome Maria Teresa, e para todos ela era agora só Teca.

Naquela noite de sexta-feira de verão, mais uma coisa havia sido deixada para trás (seria um hábito dela???), seu namorado (agora ex), Arthur.

Despediu-se dele no aeroporto, pegando-o totalmente de surpresa ao dizer que não iria mais com ele para Espanha. Não quis ouvir as promessas de Arthur, tampouco os argumentos, pois também não queria fazer nenhuma promessa a ele.

Entrou no carro, abriu os vidros, aumentou o som e partiu ouvindo Janis Joplin, e deixando o vento soprar em seu rosto...lembrou das malas ainda prontas dentro do carro, e da cara de “hã?” de Arthur e deu um risinho meio cínico.

A noite estava deliciosa, a lua parecia enfeitiçá-la e sentiu vontade de realmente sumir...

Foi quando seu celular tocou e a fez voltar à realidade.
- Alô! Sra. Maria Teresa por favor!
- É ela, quem fala?
- Boa noite Sra Maria Teresa...
(foi interrompida por um brusco, “me chame de Téca por favor”)
- Ah sim! Então Téca, como eu estava dizendo, aqui é a Mariana da agência de viagens I can fly, e a Sra. foi sorteada para um cruzeiro marítimo, chamado “Em busca do desconhecido”.

Intrigada, Téca perguntou:

- Mas, como conseguiu meu telefone?
- Seu nome foi sorteado através de nossos cadastros, mas preciso de sua confirmação ainda hoje, ou melhor, praticamente agora, pois partiremos em 3 horas.

Téca ficou meio confusa com tanta informação assim de uma vez e ficou muda...

­- Sra. Téca? Alô???
- Sim, estou aqui.
- Então Sra., preciso avisá-la que caso decida ir, deverá partir já para o cais, onde haverá alguém da agência responsável pelo cruzeiro a sua espera, e iniciaremos a viagem com um baile a fantasia.

Por alguns segundos Téca pensou ser muita coincidência uma viagem assim, do nada, de graça, e ela com as malas dentro do carro. Mas, a dúvida sumiu do mesmo jeito que apareceu, quando pensou na festa a fantasia, nas pessoas que poderiam estar nesse cruzeiro e se animou...

- OK, Mariana, pode confirmar minha presença. Estarei lá no horário combinado. Só mais uma dúvida: Que tipo de pessoas estarão nesse cruzeiro?
- Hum...Sra., essa pergunta não poderei responder pois nossa lista é confidencial. Tenha uma boa noite e divirta-se!

Téca estava excitada com a possibilidade de conhecer pessoas novas, de ir para um cruzeiro, e principalmente a festa a fantasia. Olhou no relógio; tinha ainda tempo para parar no caminho e comprar uma fantasia...

Mas do que ela iria???

Enquanto seguia pra loja, sua cabeça fervilhava e pensou:

“Vida nova, caras novas, era exatamente isso que eu precisava...deixar meu passado pra trás”...

E mais uma vez, o risinho cínico...