Uriel olhava para o monitor à sua frente, na sala do servidor do navio, e começou a martelar o teclado. Códigos fontes, linhas de comando, sua raiva transpirava nos dedos. Este sistema era tão familiar, tão simples, mas ao mesmo tempo, era como um quebra-cabeça. Foi quando Rachel entrou na sala, e aproximou-se, abraçando Uriel por trás.
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Conseguiu mais alguma coisa?
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Consegui, mas tantas coisas me preocupam... consegui reaver as câmeras, e perceber que a âncora está mais elevada, mas há um bug que impede o sistema de resgatar a âncora.Rachel olhou para o hacker, admirando os músculos do rapaz...
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Você está muito tenso, Uriel, muito... vai acabar passando mal. Você precisa relaxar...Rachel encarou o olhar azul do rapaz, segurou seu rosto e beijou-o tenramente, sentando em seu colo. Uriel abraçou o corpo quente da mulher, beijando-a com ardor e sofreguidão. Suas mãos deslizavam agora sobre a blusa da moça, a pele sensível...
Logo, o clima sensual encheu a sala, os gestos substituíram as palavras, as respirações tornaram-se mais ofegantes, os corações batendo mais intensamente, as mãos exploravam cada centímetro...
As mãos de Uriel ultrapassaram as barreiras das roupas, e desvendavam Rachel, como que explorando novos rumos, novas sensações... Rachel arfava suspirante no ouvido de Uriel...
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Você me deixa louca... você me desnorteia...E os beijos se tornaram mais ardentes, e os corpos aqueciam-se...
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Ai... você... você me enlouquece!... Ai... Henrique...Uriel parou de súbito, recolheu suas mãos e olhou friamente para Rachel, que parecia paralisada.
Henrique?!_... HENRIQUE_ ?!Uriel empurrou Rachel, afastando-a de seu corpo... Rachel parecia atônita.
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Uriel, desculpe, eu... ato falho...
Uriel subitamente entendeu claramente o que passava. Como se tudo se encaixasse repentinamente. Tudo se tornava muito claro...
Como não pensara nisso antes? Como não percebera que era apenas uma marionete no plano de vingança de Rachel?...
Uriel levantou-se, e andou pela sala, a cabeça encaixando fatos, frases soltas, ações, intuições e olhares.
Rachel agora o olhava enigmaticamente.
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Uriel, eu queria explicar... eu...Neste momento, Uriel deu uma gargalhada. A situação era tão absurda, tão surreal... ele ria, e uma constrangida Rachel tentava explicar-se.
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Não precisa explicar, Rachel, Não precisa falar nada! Já entendi tudo..._
Mas... eu..._
Não diga mais nada, Rachel... nada! Sua vontade era de gargalhar
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Rachel, você me usou e eu TE USEI. Simples assim, você me usou e eu te usei... digamos que estamos quites...Rachel assumiu um ar gélido, enquanto ajeitava sua roupa.
A situação era digna de risos, Rachel no entanto, não sentia vontade de rir, pois sentiu que fechara um caminho, fizera uma escolha, matando algo que nem começara. Tentou reunir sua dignidade, e sair o mais rápido possível, sem mais falar. Existem verdades que são muito mais inteligíveis com o silêncio.
Ela saiu, sem dizer mais nada. Uriel olhou para os monitores, andou de um lado para outro, buscava o entendimento de tudo o que ocorrera. Mais uma vez deixara sua carência afetá-lo. Mulheres já havia tido muitas, mas sempre tinha a esperança de encontrar a que pudesse entendê-lo.
Socou a parede com raiva de si mesmo. Sentou-se e voltou a teclar. Passaram-se vários minutos, entre códigos, comandos, ajustes, tudo para esquecer Rachel e manter a mente ocupada. O tempo passava, e o trabalho avançava.
Minutos mais tarde, recuperou parte do sistema de câmeras, e teve acesso a imagens atuais. Várias câmeras haviam sido destruídas, mas algumas voltaram a funcionar. Conseguira recolher a âncora.
Procurou nas câmeras o que queria, até que viu Téca, saindo de uma parede de espelhos.
“Bingo!”
Momentos depois, Uriel estava frente a frente com a parede falsa, sentindo o coração apertar-lhe na garganta. Procurava alguma forma de entrar, mas não havia nada no salão deserto. Afastou-se, ergueu uma cadeira e arremesou-a contra a parede falsa. O espelho ruiu com um estrondo, estilhaçando-o em uma chuva de reflexos. Atrás dele, uma porta com fechadura digital. Uriel sacou a arma e atirou no comando da fechadura, que explodiu em curto. Ele dirigiu-se até a porta, guardando a arma na cintura, e com toda sua força ergueu a porta, que parecia inerte, mas ao chegar na metade, a porta se recolheu.
Ele entrou na sala secreta, ao som de palmas debochadas, espaçadas de Ranald, que sentado em sua cadeira, aplaudia com cara de descontentamento.
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SEU CANALHA! DESGRAÇADO!_
Gabriel, mantenha-se calmo. Seu destempero sempre foi seu maior defeito. Vamos conversar._
O que EU tenho a conversar com VOCÊ? Quem é você para achar que pode conversar comigo?... Seu desgraçado, você me pôs neste cruzeiro! VELHO DESGRAÇADO!_
Sim, eu o coloquei aqui. Eu te monitorava sempre, meus homens te seguiram até o encontro com a safada da Rachel, que estava prestes a embarcar... um dardo soporífero resolveu o resto. Como vê, eu controlo você, e você não vai fazer nada... porque sua mãe está sob meus cuidados... e coitadinha da velha Ana... pode ter algum mal súbito.Uriel sentia a tensão e a adrenalina agindo em cada músculo de seu corpo, sentia o ar faltar, os punhos crispavam-se, Uriel avançou para o pai, mas sabia do que o pai era capaz.
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Seu desgraçado! Você nunca prestou! EU ODEIO VOCÊ!
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Isso é tremendamente cansativo, Gabriel... esse seu jeitinho aventureiro, esse seu jeito despreocupado com a vida... desprezo por dinheiro...sua fraqueza... você nunca honrou com o meu dinheiro! Era um filhinho de mamãe, mimado, fraco como sua mãe, a defensora dos fracos e oprimidos!..._
E você sempre foi o crápula, o manipulador... o sujo... o ASSASSINO...o louco! Eu sempre te odiei!
_ Odiou mas comia com o MEU dinheiro, estudou com o MEU dinheiro, comprava suas roupas surradas com o MEU dinheiro! Você nunca soube dar valor a tudo que fiz para aumentar o império que um dia seria seu! Mas você é fraco, Gabriel! ...muito fraco!Uriel sentia um desprezo imenso por aquele homem, mas todos os sentidos lhe diziam que sua mãe corria perigo.
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Eu nunca quis seu dinheiro! Você abandonou a mim e a minha mãe em vida!!! Você sabe o que é perder uma pessoa? Você sabe o que é ser órfão de um pai ausente? Você sabe o que é ser DESPREZADO por seu próprio pai? VOCÊ NÃO TEM IDÉIA DO QUANTO EU SOFRIA... Você não tem idéia do que é o DESAMOR, a indiferença... eu SOFRIA MUITO...
_ Sofria? Num mundo de luxo? Muito cômodo... Você nunca soube o que era construir um império para um nerd e uma louca..
_NÃO FALE ASSIM DA MINHA MÃE, SEU FILHO DA PUTA!!!!!
_ Ohhhhhhhh a “mamãe”... claro... eu querendo levar você para o meu mundo e você no mundo politicamente correto de sua mãe...
_ Um mundo melhor que a podridão que você vive!!!! Chegando ao cúmulo de armar esse cruzeiro de vinganças. Não era para eu estar aqui! VOCÊ É DOENTE!!!!
_ Não se menospreze, Gabriel! VOCÊ ajudou muito, e foi MUITO ÚTIL para este cruzeiro!!! Muito útil, diria até que foi o responsável!
_ VOCÊ ESTÁ LOUCO! EU NÃO SABIA DE NADA DISSO!
_ Ah, é... esqueci que você é um “anjo”... o anjo URIEL, um hacker que destrói sistemas de segurança... um hacker que foi contactado por Rachel Macciotti, ou “ANA”, não era assim que aquela vagabunda aparecia na Internet?
_ Como VOCÊ sabe disso?!
_Ora...ora... Rachel estava me traindo... um hacker entra em contato com ela, muito prático, não? Ela lhe fornece informações, que eu ainda não sei para o que servem... mas, acredite... VOU SABER... e foi muito fácil arranjar gente para monitorar as conversas de vocês, e saber que ela te passou códigos. PARA QUE VOCÊ QUERIA OS CÓDIGOS?Uriel estava transtornado. Andava de um lado por outro como um animal feroz pego em uma armadilha... e sem poder destroçar a garganta daquele homem.
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URIEL, o hacker... há cerca de três meses você foi contactado por um de meus homens, que lhe contratou para montar o sistema de alta-segurança de um clube... um sistema de vigilância com alto grau de segurança, com câmeras, microfones, e controle total de outros softwares... não lhe parece similar, Uriel?
Realmente, Uriel fizera um sistema, na verdade um projeto, apenas, pois não chegara a ir ao tal clube, com todos os requisitos parecidos com o sistema do Vingeance, daí sua facilidade de invadir o sistema do navio.
_ O CLUBE! O NAVIO ERA O CLUBE!
_ Viu só? Você criou um excelente sistema para minha teia... daí, botar os merdas que tentaram voltar-se contra mim, foi muito fácil... mas o sistema principal é seu. Você assinou sua sentença ao tentar invadir e controlar o navio... posso explodir este navio, Gabriel, posso destruir você e essa cambada. E posso ainda controlar vocês, com sua ajuda.... afinal você bloqueou os celulares, você enviou códigos falsos para o navio, você ajudou a tecer a minha teia!Uriel agora estava mais revoltado e enojado do que nunca, sentia o coração disparado, um véu vermelho cobria sua visão, mas seu lado racional sabia que se matasse o pai, sua mãe correria perigo.
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EU DEVERIA MATAR VOCÊ, DESGRAÇADO!_
Matar? Ora, ora... acho que você é fraco demais para isso... você é tão inocente, tão ingênuo... nem percebeu que Rachel o usou... e não vai me matar não... se tocar em mim, Ana vai MORRER.Uriel era puro ódio, sem pensar, sacou o revólver e apontava para a testa de Ranald, que agora parecia assustado.
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SEU DESGRAÇADO! VOCÊ MERECE MORRER! USANDO AS PESSOAS, DESTRUINDO A MENTE DA MINHA MÃE, DESTRUIU A MINHA INFÂNCIA, DESTRUIU TUDO O QUE EU TINHA! VOCÊ DESTRUIU TUDO, TUDO... COM SEU MALDITO DINHEIRO, RANALD! MALDITO DINHEIRO, QUE ENQUANTO VOCE BRINCAVA DE CONTROLAR ESTE NAVIO, NEM VIU ESCORRER DE SUAS MÃOS EM MEROS OITO SEGUNDOS!Agora Ranald estava surpreso e furioso, então esse era o motivo de Uriel precisar dos códigos das empresas! Seus capangas não chegaram a descobrir qual o motivo de Rachel ter entregado informações para Uriel... Ranald estva surpreso... o BANCO!
O “nerd” do seu filho renegado havia recebido informações de segurança do banco! O idiota romântico e correto OUSARA roubar o seu dinheiro!
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Pois é, “papai”... 34 milhões de dólares escoaram de sua conta e foram parar muito longe, de forma muito segura, muito além de seu controle, para contas numeradas em qualquer país do mundo! OLHA QUE COISA!!!!Ranald estava boquiaberto. Não fora avisado pela administração de nenhuma irregularidade. Ele não sabia que milhares de clientes agora percebiam, ainda aos poucos, que foram roubados em centavos, e se dirigiam às agências para reclamar e exigir o estorno.
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SEU FILHO DA PUTA! EU TINHA CERTEZA QUE VOCÊ ERA UM MERDA, GABRIEL!
_ UM MERDA QUE DESTRUIRÁ O SEU PRECIOSO DINHEIRO... ESSE MALDITO DINHEIRO QUE DESTRUIU A MINHA VIDA E DESTRUIU MINHA MÃE!As lágrimas de ódio brotavam de seus olhos, a arma em riste, pronta para encerrar a carreira de crimes de Ranald, o ARANHA.
Ranald estava assustado, mas a hipótese de seu dinheiro estar nas mãos de outra pessoa lhe incomodava demais
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Você me traiu, Gabriel. Sua Mãe vai PAGAR POR ISSO!
_ NÃO FALA DA MINHA MÃE, SEU DESGRAÇADO, NÃO FALA!Uriel estava transtornado, nada mais importava, nada mais pesava, só o dedo no gatilho da pistola destravada. Aquele homem roubara tudo, roubara sua felicidade, roubara sua mãe, sua família, seu bem estar. Roubara agora sua liberdade... tudo isso lhe pesava no gatilho, a tensão no ar era quase palpável...
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Gabriel, abaixe esta arma, você não vai atirar em mim. – Ranald tentava recuperar a calma.
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NÃO ME CHAME DE GABRIEL! GABRIEL MORREU! MORREU QUANDO O MEU PAI MORREU PARA MIM! ... GABRIEL MORREU QUANDO MINHA MÃE FOI AFASTADA DE MIM... GABRIEL MORREU E FOI SUBSTITUÍDO POR DINHEIRO!... GABRIEL ESTAVA MORTO QUANDO EU FUI ATÉ A MERDA DOS EXPLOSIVOS E OS JOGUEI NO MAR!... URIEL É O MEU NOME!Ranald agora estava nitidamente assustado com o imenso descontrole de Uriel. O cruzeiro estava fora de seu controle... o dinheiro... os explosivos... tinha ódio mortal desta criatura que um dia fora seu filho.
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Uriel, abaixe esta arma, você vai se tornar igual a mim, se atirar... você vai ser igual a mim.Neste momento, o ódio de Uriel explodiu. Não havia mais razão para aturar aquilo. Não havia mais bombas, não lhe importava o que Ranald poderia fazer.
Ranald sentia o ódio explodir em seu coração. Temia o descontrole do hacker, mas sabia que deveria assumir o controle da situação
_VOCÊ NÃO VAI ATIRAR, GABRIEL, NÃO VAI!Uriel fora tomado pelo ódio. Mal conseguia ouvir o que Ranald falava. A arma oscilava em suas mãos suadas, a respiração ofegante, o suor na fronte, o véu vermelho sobre sua visão, sangue... o sangue...
_GABRIEL, EU SOU SEU PAI!Nesse momento, os músculos da mão de Uriel se contraíram, e o gatilho detonou a pólvora da bala na agulha, o tiro saiu abafado, a bala transcorreu o percusso no ar, mas para Uriel, tudo parecia em câmera-lenta. Aquele homem, o ódio que lhe despertava, sua mãe, o pai que nunca fora presente, a armação do Vingeance, as bombas, a lancha, Rachel... o baile à fantasia, o celular, o código... a dor na cabeça, o sexo com Rachel... Vila Nova sendo ressuscitado... o imenso nojo que sentia daquele homem... Lembrou de sua mãe, calada e silenciosa, caminhando triste pelos corredores, lembrou dos jantares, onde ela sempre exigira que fosse preparado o lugar de Ranald, e sofria com aquele vazio. As primeiras crises de ausência, a depressão, as amantes... todos estes fatos agora se tornaram chumbo, e alimentaram a bala de arma de Uriel.
A bala percorreu o ar, e atingiu o monitor atrás da cabeça de Ranald, estilhaçando-o.
Ranald, incrédulo, olhava para o monitor atrás de si, a bala passara propositalmente a centímetros de sua cabeça... sentiu a urina escorrer por suas pernas, nunca imaginara que seu filho fraco, nerd, panaca, possuísse tanto ódio. Ranald tirou os olhos do monitor destruído e olhou para Uriel, que respirava arfando, ainda segurando a arma fumegante.
E a voz de Uriel saiu cavernosa, baixa e firme
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Eu não sou IGUAL a você... e você nunca mais diga eu é meu pai... EU ME CHAMO URIEL!E guardando a arma na cintura, Uriel deixou a sala, ainda descontrolado.
E não percebeu que Ranald, urinado, humilhado, atônito ainda olhava para ele surpreso e boquiaberto com sua ferocidade.
O Aranha agora era um homem amedrontado. Seu filho. A caixa de Pandora...
Ranald liberara o verdadeiro Uriel, e libertara toda a maldade do mundo. E isso lhe assustava...