Acerto de Contas

- Claro que você pode acreditar em mim, Téca!- enquanto dizia os olhos de Rachel se enchiam de lágrimas.- Desde o nosso primeiro encontro em Londres eu me identifiquei com você. Já conhecia parte da sua história, já sabia que Paulo era o seu pai, por isso mesmo, me prontifiquei a passar as informações da empresa concorrente.

As duas mulheres conversavam no convés do navio, a tempestade que caíra no dia anterior cedera espaço para um sol radiante e uma brisa suave banhava o rosto das duas. Maccioti não sabia explicar, mas ela sentia um carinho especial por Téca, aparentemente não tinha motivos, talvez fossem as circunstâncias do momento. Depois de tantos acontecimentos ela estava extremamente fragilizada. Vila Nova não tinha o direito de tomar aquela decisão sozinho. Eles tinham um acordo que não poderia ser simplesmente quebrado sem uma conversa prévia.

Um flash back passou por sua cabeça.

Muito fatigada e muito estranhamente feliz, Rachel saíra da cozinha e dirigira-se para sua cabine. Tudo corria como ela imaginava. Entrou no quarto, passeou entre o sofá, acariciou a parede branca, sorriu para as câmeras que tinha certeza que, meticulosamente a observavam. Um olhar malicioso invadiu sua face. Sentia-se bem, apesar dos pesares, o cruzeiro tinha sido uma ótima idéia. A última conversa que tivera com Vila Nova fora decisiva para toda essa felicidade. Inclinou-se sobre a cama e seus olhos viram uma carta sobre a mesinha. Pegou-a e leu.

Meus amigos Rachel e Uriel,

Sei que vocês nunca concordariam com minha idéia. Nem eu mesmo supunha, um dia, agir assim. Quando encontrei Lúcia aqui, tentei convencê-la a dizer para o mentor desse plano diabólico de vingança a nos levar de volta à terra firme, do contrário, um grande amigo meu, Ataulfo Andrade, começaria a investigar o meu sumiço. Em resposta, Isadora foi morta e, para me dizer que eu não ousasse a tentar dar cartadas nesse navio, ele a colocou em meu quarto.

Vocês não entendem, mas não havia outra alternativa para que todos saíssem vivos daqui. Creio piamente que o plano desse louco é nos matar, um a um. Alguém tinha que se sacrificar pelo grupo...

Morro, mas que minha morte sirva para pressioná-lo a voltar com o navio. Para mim, não havia outro jeito.

Rachel, sei que não tenho esse direito, mas peço que você tente explicar a tia Lorreta tudo que aconteceu.

Uriel, cuide bem da minha amiga.

Boa sorte para todos vocês...

Cláudio

Foi submergida pela amargura. Seus joelhos deitaram-se no assoalho. Ela soluçava sofregamente.

- Nãooooooooooo!!! Cláudio, por que fez isso, meu... meu... grande amigoooooooooo!!!- Seu grito ecoou pelo navio.

Não era possível controlar o desespero. Vila Nova, cumprira sua palavra, matara-se na tentativa de fazer o Aranha voltar o navio para terra firme.

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- Chore, Rachel, coloque para fora, tudo que a atormenta. Até eu me surpreendi com a atitude de Vila Nova. E mais ainda com o comportamento do Aranha ao mudar o curso do navio e, pelo que tudo indica, nos levar para terra firme.

- Você não entende, Téca... Cláudio era meu único e verdadeiro amigo, desde os tempos da faculdade. Tínhamos uma afinidade incrível, tanto que Lúcia, sua namorada na época, muitas vezes me questionara a respeito de tanta proximidade entre nós.- depois de um soluço- e agora ele simplesmente se foi. Maldito cruzeiro! Maldito Ranald! Se ele estivesse em minha frente agora eu o mataria com as próprias mãos.

- Não seja por isso, “minha cara amiga”, eu posso lhe ajudar quanto a isso. – Lúcia, aparecera do nada e com um sorriso maquiavélico olhava fixamente para Rachel.

Essa levantou-se. Enxugou as lágrimas. Engoliu os soluços.

- É verdade! Temos um acerto de contas!- Uma Rachel decidida falara.- Téca, deixe-nos sozinhas. – ao ver o olhar indeciso de Téca, ela insiste num tom mais alto- Deixe-nos a sós. Você não tem nada com essa história.

- Chorando a morte do seu amiguinho, querida!- Lúcia deu uma risada cínica- Como sinto pena da pobre Rachel, minha amiga de infância. Sempre tão pobrezinha, tão coitadinha...

- Coitadinha? – foi a vez da gargalhada sinistra de Rachel- Você é uma louca mimada, Lúcia! Eu sempre soube lhe usar muito bem, desde nossa infância. A rica menina, sempre seguia os meus conselhos. E quem ganhava com isso? A pobrezinha Rachel! Você sempre foi manipulada. Sempre acreditava em tudo, não é verdade? E na faculdade, por que acha que me aproximei tanto de Vila Nova? Ainda me lembro dos seus ataques de ciúmes cada vez que uma mensagem do seu namorado chegava no meu celular. Eu adorava ver você exasperada enquanto eu me passava por sua melhor amiga!

- Você sempre foi uma mal amada, Rachel Maccioti! Sempre!- Lúcia gritava deixando todo o ciúmes que sentia por Rachel vir à tona.

Ambas eram amigas de infância. Rachel sempre fora a mais linda, a mais inteligente, mas Lúcia, filha do honrado pai de família, o conceituado milionário Wallace Rodinari, sempre dava um jeito de se sobressair à amiga.

- E você foi e é uma porta! Tão tapada, tão preocupada em gastar seu rico dinheirinho. Tão rica e tão privada de inteligência... tão...

Lúcia não se conteve, marcando o rosto de Rachel com um tapa.

Numa atitude descontrolada Rachel começou a bater palmas freneticamente.

- Enfim uma atitude da “barata” Lúcia! Parabéns!!! Então, vamos falar um pouco do seu pai. Que tal?

Os olhos de Lúcia fuzilavam a secretária.

-Não ouse sujar a honra do meu pai, sua vagabunda!

-Honra?! Que honra, Lúcia! Lembra-se quando eu ia brincar em sua casa? Lembra-se, que muitas vezes, seu pai argüia a gente quando tínhamos prova no colégio? Pois é... naquela maldita biblioteca do bondoso Wallace...- a emoção tomava conta de cada poro de Rachel, ela tremia dos pés à cabeça- seu pai me acariciava, me beijava, me tocava ao invés de arguir... ele foi o meu primeiro homem... o que me ensinou aos 13 anos de idade o quanto os homens são cruéis. Entende agora por que eu te odeio? Você é filha do homem que abusou de uma criança inocente. Cada dia que passava por sua amiga eu sonhava com o dia que jogaria tudo isso na SUA cara. Minha intenção era destruir seu pai... mas o infeliz foi covarde o suficiente para tirar a própria vida. Eu te odeio, Lúcia! Te odeio por ser filha de Wallace, te odeio por ter me roubado Ranald, te odeio com todas as minha forças!!!

Incrédula, Lúcia grita:

-Mentirosa!!! Você está mentindo!!!

- Você sabe que não estou mentindo. E digo mais, Vila Nova tinha todo o material sobre as falcatruas de Ranald. Agora com sua morte, Ataulfo Andrade que está de posse desse dossiê, começará a investigar. Não pude acabar com seu safado pai... mas, agora vou acabar com você, Lúcia!!! Tão honrado, tão protetor e abusava de crianças! MALDITO WALLACE!!!

Téca que percebera que aquela conversa não terminaria bem, buscou ajuda de Luiz e Lukas.

Num acesso de raiva animal, Rachel avança sobre Lúcia que ainda mais furiosa saca a arma e dispara sobre a secretária. Nesse momento, Lukas surpreendentemente pula na frente e é atingido de raspão no braço, enquanto isso, Luiz num pontapé certeiro tira a arma da mão de Lúcia que não desiste e totalmente descontrolada empurra Rachel do navio.

Tudo acontece rapidamente. Lukas, num ato intuitivo, pula atrás para salvar Rachel enquanto Lúcia desaparece pelo convés. Uriel que observava tudo através do vidro da cozinha, correu até o local , pegou uma das bóias que estava próxima, amarrada a uma corda, e, com a ajuda de Luiz, jogou-a ao mar.

O mar agitou-se subitamente. Rachel engolia muita água. Lukas lutava para mantê-la em seus braços, mas sozinho seria impossível segurar a corda e Maccioti ao mesmo tempo. Desesperado, Uriel atirou-se no mar. Os olhos de Téca não acreditavam na cena que se passava ali em sua frente. A ela, estava abraçada Cíntia, que também acompanhava tudo chorando muito.

Com um esforço sobre humano, Uriel e Lukas conseguem subir a bordo do navio novamente. O hacker olha para a mulher desacordada em seus braços. Luiz aplica os primeiros socorros, mas é impedido por Uriel na hora da respiração boca a boca.

Rachel colocou pra fora toda água que engoliu e quando abriu os olhos viu, diante de si, o homem que a amara profundamente naquele navio: Uriel. Era impossível não acreditar no amor que aqueles olhos azuis mostravam.

Ele olhava fixa e preocupadamente para Maccioti. Ela entendeu em um olhar, o que não havia entendido em toda uma manhã de revelações. Naquele instante, Rachel devolveu o carinho também com um olhar. Um olhar de perdão.