MARCO VINTE

Na manhã seguinte, Vila Nova acordou cedo. Tencionava decifrar o criptograma feito no livro deixado sobre o criado-mudo, mais precisamente na página 213.

“Isso deve ser para mim... Eu acho. De qualquer forma, sabem de tudo o que aconteceu... Melhor ter cuidado!” Pensava o jornalista. Então, pegou o livro e, fingindo interesse na leitura, deitou-se na cama. Agia assim, porque desconfiava da presença, em sua cabine, de câmeras e equipamentos de áudio.

O jornalista achou que a referida página guardava uma mensagem subliminar direcionada para ele. Algo que só ele mesmo pudesse descobrir. Tentou várias combinações de códigos, mas nada. Faltava coerência ao resultado daquilo que seu raciocínio extraía do jogo de letras. Por mais que insistisse, a lógica que utilizava só lhe revelou, mesmo sem sentido aparente, a seguinte ordem de palavras:

VOU SEBNARHE OSCEU CORCIRDE PNECOGON METÔS DEAS TERFAO OV ASIDENI VIS CORHI CUADIDE.

Apesar de não saber o que significava, Cláudio gravou aquela seqüência. Não foi difícil para ele, estava acostumado a exercitar sua mente com técnicas de memorização. Meia hora depois, deixou o livro sobre a cama. Era chegada a hora de se encontrar com os outros passageiros, conforme as instruções recebidas.

Assim que chegou ao convés do navio, notou que havia sete cadeiras expostas em círculo. A idéia que se tinha era que os “convidados” seriam obrigados a confessarem uns aos outros os seus dramas, como numa reunião de dependentes químicos. E foi somente quando todos estavam reunidos, que o jornalista descobriu sobre quem o bilhete se referia, ao afirmar que ele conhecia uma daquelas pessoas, mas que fazia tempo que não a via.

“Será que é quem estou pensando? Tem tanto tempo! Está diferente. Bem diferente!” Dizia para si mesmo. Sem que essa pessoa percebesse a sua reação, voltou a se concentrar no grupo. Observando-os atentamente, notou que todos, sem trocadilho, estavam no mesmo barco, ou seja, também guardavam segredos e, descobertos, eram, como ele, chantageados, ou pareciam ser. Preocupado em cumprir o seu papel, Cláudio lançou uma pergunta, dirigindo-a para Lukas, o Dom Juan que invadiu o seu quarto.

Não demorou muito e a reunião virou uma balbúrdia, com todo mundo tentando falar ao mesmo tempo. A certa altura, uma moça de cabelo bem ruivo mandou que todos calassem a boca, como se tivesse prestes a dizer algo muito importante. Todavia o que se viu foi o seu corpo tombando no chão. Desmaiara.

“Essa é boa! Quando eu acho que alguém vai dizer alguma coisa que presta, ela desmaia...”.

A tal moça já estava se recuperando, quando uma outra, que havia se ausentado da reunião, retornou ao grupo e, em estado de pânico, avisou que a tripulação havia sumido. O susto foi geral. Passados alguns instantes, outra pessoa, agora um homem, começou a fazer algumas perguntas. Seu nome era Luiz.

Vila Nova percebeu que, se quisesse sair dali, talvez os dois que estavam sendo questionados pudessem ser o meio. Se Lukas sabia o seu segredo, não deixou claro, na noite anterior. De qualquer forma, precisava neutralizá-lo ou, quem sabe, tê-lo em suas mãos.

Luiz, pelo que dissera, também possuía um envelope e acabou revelando algo do seu conteúdo. Por questão de segurança, Cláudio preferiu guardar segredo sobre o seu. A sua leviandade e inconseqüência causaram a ruína de uma família e isso muito o perturbava.

Em dado momento, foi sugerido que eles se dividissem para procurarem os responsáveis por tudo aquilo.O jornalista e a moça que os alertou sobre o sumiço da tripulação seguiram o mentor da idéia. No caminho, tentava, em pensamento, ordenar o raciocínio:

“O que tudo isso tem a ver com Uriel? Por que tenho que ignorá-lo? Fingir que não o conheço? Será que ele não me reconheceu ou também está proibido de falar comigo?”

Para não dar bandeira, se separou dos dois, rumando para o deck da tripulação e serviços. Não encontrou uma única pessoa. Então, resolveu vasculhar armários e gavetas. Demorou fazendo essa varredura. Quando se virava para voltar pelo mesmo caminho, notou o vulto de uma pessoa. Cláudio correu em sua direção, até que tropeçou num embrulho. Desistiu de correr. Abaixou-se e pegou o pacote. Abriu-o devagar. Retirou de dentro dele um bilhete, que dizia, apenas: MARCO VINTE.

Nervoso, apreensivo, Vila Nova retirou mais um objeto do embrulho. Um livro. Na capa, duas espadas cercadas por chamas formavam um X.

- Mas o que será isso? Começou a folhear a obra e ficou espantado. Ao que tudo indicava, tratava-se de um grupo de jovens que se conheceram numa sala de bate-papo e que, juntos, formaram uma espécie de sociedade secreta.

- Lukas o quê? Disse Vila Nova, ao descobrir que o Dom Juan do baile era um dos membros e teria sido o responsável pela morte de um deles. – Que maravilha! Acabaram de me dar o que precisava. Desconfio que Isadora não mentiu, no bilhete: Alguém aqui gosta de mim. Completou, com um sorriso nos lábios.

O jornalista resolveu voltar. Subiu as escadas e encontrou justamente com a mosca da sua teia particular: Lukas, ao lado de Uriel. Cláudio fez questão de deixá-lo perceber o que carregava. Tiro certo, o rapaz empalideceu, assim que reconheceu o livro. Por enquanto, era o que Vila Nova precisava. Lukas se encarregaria de procurá-lo mais tarde.

Fim das buscas, todos se reuniram novamente no convés. Se mais alguém conseguiu descobrir algo de importante, disfarçou bem, pois quando Luiz perguntou se o grupo havia achado uma pista da tripulação ou qualquer coisa que pudesse ajudá-los a saírem dali, ninguém respondeu afirmativamente. Vila Nova olhou para uma daquelas seis pessoas. Disfarçadamente, piscou para ela e, logo a seguir, se retirou, distanciando do grupo. Na sua cabeça, apenas duas palavras. Depois de meia hora tentando buscar na mente porque tinha a sensação de saber algo sobre elas, a lembrança aflorou:

- Claro, como pude me esquecer disso: MARCO VINTE.